La force des choses
21.2.10
Giraldo Sem pavor
O pérfido galego Afonso Henriques, senhor de Coimbra - o maldito de Deus - conhecia bem a valentia do cão Giraldo. O pensamento constante deste era tomar à traição as cidades e os castelos, só com sua gente: ele tinha os mulçumanos da fronteira sob o terror das suas armas. Este cão procedia assim: avançava, sem ser apercebido, na noite chuvosa, escura, tenebrosa e, insensível ao vento e à neve, ia contra as cidades. Para isso levava escadas de madeira de grande comprimento, de modo que com elas subisse acima das muralhas da cidade que procurava surpreender; e quando a vigia mulçumana dormia, encostava as escadas à muralha e era o primeiro a subir ao castelo.
E empolgando a vigia dizia-lhe:
- Grita como tens por costume de noite que não há novidade! - E então os seus homens de armas subiam acima dos muros da cidade, davam na sua língua um grito imenso e execrando, penetravam na cidade, matavam quantos encontravam, despojavam-nos, e levavam todos os cativos e presa que estavam nela.
(Ibne Sáhibe Açalá)
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18.2.10
O polvinho
Isabel Stilwell no editorial do Destak (17-02-10) foi buscar, com oportunidade – até pelas criticas do gentil Alberto – um artigo do director do Noticias da Madeira, Luís Calisto, onde este se insurge com os actuais protestos de virgens ofendidas contra o perigo da "asfixia democrática", demonstrado na Face Oculta. "Num País com a tradição democrática como a Inglaterra, Sócrates já não era primeiro-ministro" foi até dito até pelo próprio Jardim, escandalizado.
Diz Calisto a páginas tantas: Mas… e se Sócrates, mais do que querer, já tivesse comprado a TVI, alimentando-a com dinheiros públicos e proibindo a estação de divulgar a opinião de políticos não PS, reservando toda a antena para quem obedece ao regime rosa, tal como Jardim faz aqui com o Jornal da Madeira, dispensando-se de guardanapo?
E acrescenta ainda: E se Sócrates fizesse como o Sr. Jardim que calunia, insulta e enxovalha directamente os jornalistas com epítetos de corruptos, traidores, comunas, súcias, fascistas, tolos, incapazes, incultos, vingativos, desonestos, gente reles, mentes recalcadas, bastardos, exóticos, incumpridores de estatutos editoriais, ralé que não toma banho? E as jornalistas de vendidas, descompensadas, sovaqueiras.
"Aqueles que agora bradam contra os perigos para o Estado de Direito são os mesmo que quando vão à Madeira fecham os olhos", contudo "para provar o caso da Madeira, nem seriam precisas escutas, nem complicadas diligências, já que Alberto João Jardim faz questão de dizer e fazer tudo às claras", escreve Isabel Stilwell. É bom que se perceba, quando nos indignamos com Sócrates, a distância a que isto tudo está da Madeira, no mesmíssimo capítulo da liberdade de imprensa. Só para não soar tanto a cinismo continental… digo eu. (aqui o texto de Luís Calisto posto no Arrastão)
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17.2.10
O preço que pagamos é muito maior do que o destino político de José Sócrates. Desde 2001 que nenhum primeiro-ministro fecha o seu ciclo político de uma forma natural. A pouco e pouco, essa roda trituradora tem corroído a legitimidade dos governos e do próprio sistema político. E ninguém sabe com fazê-la parar.
(Miguel Gaspar, Público 16-02-2010)
Cada vez mais me parece, que o problema da corrupção, para além da indução através do poder (politico ou económico), para lá da pobreza também indutora, e por mais que se legisle, é essencialmente um problema de honestidade. De honestidade pessoal. Que tal começar por valorizar a ética, sendo honestos? Começando primeiro por nós mesmos… por cada um de nós.
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16.2.10
Eu tive um sonho...
Sonhei que José Sócrates, num acesso de honestidade, fazendo jus à coragem que lhe reconheço, falou assim ao Secretariado Nacional do PS, nesta quarta-feira:
Minhas Senhoras e meus Senhores, pedi esta reunião por duas razões essenciais.
A primeira é para mim um imperativo de integridade pessoal; reconheço sem ambiguidades que de facto faltei à verdade ao garantir desconhecer as negociações entre a PT e a Prisa sobre a Media Capital/TVI. É minha intenção repetir este reconhecimento no Parlamento com o devido pedido de desculpas pessoal.
A segunda considero um imperativo de estado; dada a crítica situação financeira actual do nosso país, pedirei a confiança do Parlamento, garantindo a chefia do governo enquanto se executar o Programa de Estabilidade e Crescimento, com o compromisso solene de entregar a minha demissão ao Presidente da Republica, após a apresentação do PEC à União Europeia
É minha intenção inabalável, suspender a actividade política até acabarem as audições requeridas pelo PSD (ou por qualquer outro partido) à Comissão Parlamentar de Ética sobre a liberdade de expressão, bem como até ao relatório final da Comissão de inquérito sobre a alegada intervenção do Governo na intenção de compra de parte da TVI pela PT, que o Bloco de Esquerda já anunciou propor, e que eu próprio exijo.
Lamento profundamente a situação em que coloquei o partido, mas quero também deixar claro que, nunca urdi nenhum plano para domínio dos media, e que o meu nome foi invocado, mais uma vez, em vão. Acho apenas, que só uma investigação poderá lavar as dúvidas sobre a minha honra, porque são as dúvidas que alimentam o descrédito.
Mas se a minha legitimidade está afectada o mesmo não se passa com o Partido Socialista, cujo projecto político recentemente recolheu apoio maioritário dos eleitores. Peço-vos pois que iniciem o processo de escolha do meu substituto. Estou certo que, dentro ou fora do governo, será encontrada no partido uma pessoa credível e capaz de manter o rumo, cumprir o programa Socialista, e ultrapassar a crise política no interesse superior de Portugal.
Era isto que vos queria comunicar em primeira-mão, que comunicarei no sábado à Comissão Nacional do partido, e que explicarei, com o vosso apoio, a todo o partido nos próximos dias. A finalidade é mantermo-nos unidos, mas igualmente íntegros, eu e o partido.
Foi isto que sonhei… mas por via das dúvidas, esclareço que votei em José Sócrates, não só por aceitar o seu programa, mas também porque pensei que a sua experiencia e qualidades, eram a melhor alternativa para Portugal. Não acreditava no resto... por isso, peço eu próprio desculpa.
15.2.10
A revolução de 1910: a Carbonária Portuguesa
Segundo Pulido Valente, a origem da organização secreta - também conhecida por Floresta ou por Sociedade – não se distingue com especial clareza na confusa historia das associações secretas que a partir dos anos 90, surgiram em Lisboa, juntando desde anarquistas individualistas a puros republicanos.
Entre 1900 e 1902 os anarquistas dividiram-se em duas facções: os puritanos e os intervencionistas. Enquanto os primeiros condenavam qualquer colaboração com o PRP os segundos tencionavam mudar o partido por dentro, transformando-o num partido revolucionário.
Parece ter sido a partir desses princípios intervencionistas que em 1850, o bibliotecário Luz de Almeida organizou uma dezena de grupúsculos clandestinos, compostos por elementos pequeno-burgueses, mas pouco depois abertos a “todos as classes sociais”. Conforme o próprio Luz de Almeida reconheceu a estrutura da CP não passava de uma cópia do modelo italiano. A unidade básica era um canteiro de cinco homens. Quatro chefes de canteiro constituíam uma choça, quatro chefes de choça uma barraca, quatro chefes de barraca uma venda, e por fim os chefes da venda elegiam uma única Alta Venda de três membros, que dirigiria a Floresta inteira. Os membros da sociedade tratavam-se por primos e aos estranhos pagãos. Havia quatro categorias hierárquicas: rachadores, carvoeiros, mestres e mestre-sublimes. Só os mestres acediam às barracas e às vendas e só os mestre-sublimes à Alta Venda.
A CP era um genuíno movimento popular, conforme Pulido Valente prova, numa amostra exaustiva de carbonários presos entre 1908 e 1910. Em 400 primos, 44% pertenciam às classes trabalhadoras, 14% às camadas baixas da pequena burguesia e 34% às camadas médias.
Não apenas porque era a CP popular, mas também porque era uma “sociedade secreta”, os intelectuais do PRP nunca conseguiram nela exercer influência significativa. A CP não precisava de gente “educada”, nem lhe interessavam oradores panfletários: os mestre-sublimes como Luz de Almeida e Machado dos Santos não tinham o estilo rebarbativo do demagogo republicano. Prosperavam na sombra, conspiravam pelas tabernas e cultivavam o anonimato; em 5 de Outubro ninguém os conhecia.
Como todas as organizações do género, entre 1896 e 1906 a CP viveu numa mediocridade resignada. Mas a ditadura de João Franco e o escândalo dos “adiantamentos” criaram um clímax de agitação que, a partir de 1907 permitiu o seu rápido desenvolvimento. Em Janeiro, as choças de Lisboa atingiam 8.000 membros e as do Barreiro, Almada e Setúbal cerca de 2.000. Machado dos Santos mandou cada carbonário arranjar um primo no Exercito. No princípio de 1909 já se contavam centenas de primos na guarnição da capital. No verão de 1910, a Policia monárquica informou que os bons primos eram entre 8.000 e 10.000. Luz de Almeida fala em 34.000 no Outono de 1909.
(tirado de Vasco Pulido Valente, O Poder e o Povo 1974)
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A revolução de 1910: o Partido Republicano Português
Lidos e criados na história da Revolução Francesa, como diz Pulido Valente, os moderados do Partido não queriam acabar como qualquer girondino às mãos dos sans-cullotes portugueses, assanhados pela facção radical, a qual por sua vez desconfiava igualmente das massas populares, apesar de se sentir tentada a utilizá-las.
Os moderados entendiam que a Republica surgiria de um “levantamento nacional” que num dado momento, indeterminado, poria fim à Monarquia, sem precisar de ser forçado pelo PRP. Mas segundo Pulido Valente, os radicais, apoiando a conspiração em detrimento do legalismo, no fundo também não se entusiasmavam de verdade, desconfiavam da “canalha”, ou seja, pelo povo em que não tinham a certeza de mandar.
Após o golpe falhado do Porto de 1891, feito à revelia do cauteloso Directório, os notáveis moderados e radicais aproximaram-se na doutrina do “pronunciamento militar”, segundo a qual, só uma acção do Exército sob a direcção de oficiais generais, resolveria o problema da “revolução” a contento de todos. Para os doutores do PRP, os soldados não contavam por se tratar de “povo ignorante” – como o da revolta do Porto, classificada por João Chagas de "sargentada” – e só a oficialidade, uma elite culta, tinha a capacidade e também a responsabilidade, de abrir as portas do futuro. Não que o exército devesse, por regra, imiscuir-se na politica, mas no caso vertente, de conflito civilizacional entre a nação e o poder, era forçoso que se “pronunciasse”, sob pena de obstaculizar o progresso politico ficando na História como um exército de “pretorianos do rei”. Quando em 28 de Janeiro de 1908, o Partido tentou derrubar João Franco e a Monarquia, sem recorrer à perigosa colaboração da base, era essa equívoca “filigrana” teórica que o enformava. Os “salvadores da Pátria” pensavam em termos de golpe, não de levantamento, e falharam rotundamente. Porque a maioria dos oficiais, se não apoiava a Monarquia, nunca conspiraria contra ela. Dominados facilmente e presos, foram salvos in extremis do degredo em África, pelos assassinos do rei Carlos.
Entretanto, o tal “povo republicano”, sem pedir a bênção da direcção do Partido, foi-se livremente organizando, e mergulhou de forma autónoma na via revolucionária.
(tirado de Vasco Pulido Valente, O Poder e o Povo 1974)
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A revolução de 1910: o Exército Português
Para compreender a vitória republicana de Outubro, Pulido Valente considera necessário compreender a posição do Exército e, em que medida estava capaz de esmagar uma insurreição.
Os oficiais consideraram a “acalmação” dos rotativos uma espécie de traição. Para mais nos últimos três anos da Monarquia, a evolução dos acontecimentos pareceu combinada para hostilizar o Exército. Na Primavera de 1910, os republicanos descobriram uma nova série de “escândalos financeiros” em que andavam comprometidos vários grandes caciques progressistas. O Exército reagiu de duas maneiras: a maioria refugiou-se na tradicional indiferença pela vida pública, e uma pequena minoria de ultras começou a conspirar e planeava “pronunciar-se”.
Quando a revolução rebentou os partidos históricos não contavam com o apoio das Forças Armadas. A Carbonária aliciara centenas de soldados e os oficiais estavam divididos entre uma minoria de ultras, que conspirava contra o regime, e uma maioria de indiferentes com um velho ódio corporativo ao Rotativismo. De qualquer descrição do 5 de Outubro, um ponto ressalta claramente: a relutância do Exército em lutar.
(de Vasco Pulido Valente, O Poder e o Povo 1974)
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14.2.10
A revolução de 1910: a Igreja Católica
A propósito do centenário da morte do Marques de Pombal, a ala activista do PRP tentou explorar o anticlericalismo, mas falhou. Nem mesmo o público informado, identificava o regime com a “reacção religiosa”. O PRP não conseguiu convencer ninguém de que os jesuítas manipulavam a Monarquia. Contudo, apesar de uma semi-clandestinidade – porque a Monarquia era genuinamente liberal – a Igreja prosperava. A coisa adormeceu.
Em 1908 as circunstâncias modificaram-se. Carlos morrera, mas a Monarquia mantinha-se. Para mais com uma certa influência da rainha-mãe, Amélia, dita “a beata”. Os republicanos voltaram à carga com a “questão religiosa” e a ideia de que os jesuítas manobravam a rainha e através dela, o rei. Desta vez funcionou, até porque à medida que os partidos históricos se dissolviam, a franja ultramontana tentava-se impor como pilar do regime, numa Liga Monárquica, envolvendo restos de miguelismo, de franquismo e outros monárquicos intransigentes. A própria Igreja mudou, e se antes procurava não se imiscuir nos assuntos públicos, depois de 1908, quando a fraqueza do regime se tornou patente, tentou correr em seu auxilio, por exemplo, com missas de “desagravo” a Deus, presumivelmente ofendido pela impiedade republicana.
Para desgraça do próprio regime, a atitude dos bispos foi de firme resistência a qualquer concessão liberal a que os governos se sentissem tentados. Em 1910, o Directório declarava oficialmente que a “reacção politica” e a “reacção religiosa” já não podiam separar-se.
Depois da revolução de Outubro, será com o argumento da “Questão religiosa” – a Lei da Separação – que Afonso Costa lançará a violência radical. Nessa altura, a Igreja incorporará de facto (numa outra semi-clandestinidade, de sobrevivência) o referencial da oposição de direita anti-republicana. E em 1928, com Oliveira Salazar, virá a revanche.
(subtraído ao Vasco Pulido Valente, O Poder e o Povo 1974)
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Corridas de automóveis em Portugal 2
Em 1903 foram importados 118 automóveis, contando-se já por centenas o parque nacional. É nesse ano, a 15 de Abril que se fundou, à semelhança do Automobile Club de France (o primeiro do mundo, nascido em 1895 da primeira grande prova automóvel) sob o patrocínio do rei Carlos, o Real Automóvel Clube de Portugal, antepassado do actual ACP. Organiza-se então, a 3 de Novembro uma segunda Grand Épreuve, o “Circuito da beiras” com partida e chegada em Coimbra, passando por Castelo Branco e pela Guarda (444 km). Foram proibidas inscrições a “chauffeurs” estrangeiros, pelo que venceu o português Tavares de Mello num Darracq.
Em 1904 organizou-se no jardim da Parada em Cascais uma primeira Gymkhana (que se tornaria moda nos anos seguintes), antepassada das futuras provas de perícia (vulgo, "tacos") concorrida por 11 veículos da “fina-flor” da época. Mesmo a calhar, veio a vencer a prova o infante Afonso de Bragança, o famoso “arreda” do reino.
Em 1905 foi vencedor da II Gymkhana de Cascais, Albert Beauvalet com o rei compondo o júri. E o RACP organizou a sua primeira Grand Épreuve (a terceira em Portugal) Lisboa-Caldas-Lisboa com 10 veículos inscritos, divididos por quatro classes de potencia, e classificados num critério de regularidade e não de velocidade pura. A classe maior (19/25 cavalos) foi ganha pelo mesmo Beauvalet em Peugeot e a menor (até 8 cavalos) por Francisco Martinho em De Dion Bouton (na imagem acima). A França dominava o nascente desporto automóvel, tanto em máquinas, como em condutores e organização; não por acaso, ainda hoje se situa na Place de la Concorde, em Paris, a sede da Federation Internationale de l’Automobile (FIA). Uma outra espécie de Grand Épreuve em 1905, foi a excursão europeia entre Lisboa, Paris, Viena, e Istambul (40.000 km), que demorou de Agosto a Abril do ano seguinte, com a participação de uma equipa nacional composta por D. António Borges de Medeiros, Augusto D’Ornelles Bruges e Joaquim Correia como “chauffeur”.
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This purpose you undertake is dangerous; the friends you have named uncertain; the time itself unsorted; and your whole plot too light for counterpoise of so great an opposition.
(William Shakespeare, Henry IV)
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13.2.10
Corridas de automóveis em Portugal
O primeiro automóvel apareceu em Portugal no dia 14 de Outubro de 1895, pelas mãos de conde de Avilez. Na alfândega nem sabiam com que designação o registar. Ficou como máquina agrícola.
Em 1900 foram importados 13 automóveis, em 1901 foram 20 e em 1902 mais que duplicou o numero; importaram-se 51 automóveis! É desse ano, em pleno reinado do rei Carlos que temos notícia das primeiras corridas de automóveis portuguesas.
No dia 17 de Agosto foi organizada a primeira, uma prova de velocidade em circuito, com 10 voltas (12 km) ao hipódromo de Belém. Apenas concorreram 3 carros e o que venceu era a vapor, com a sugestiva marca de Locomobile, guiado pelo americano H. S. Abott.
No dia 27 de Outubro ocorreu a primeira Grand Épreuve, inspiração da original Paris/Bordéus/Paris corrida em 1895. Tratou-se de um trajecto – imaginam-se as “estradas” – entre a Figueira da Foz e Lisboa, a que concorreram 14 automóveis, dos quais apenas 3 conseguiram classificar-se dentro das 10 horas regulamentares. Contudo, o primeiro a chegar – o francês Edmond num Darracq, em 6 horas e 27 minutos – foi desclassificado, por ter mudado de condutor durante a prova. A vitória foi atribuída ao segundo, o italiano Giuseppe Bordino condutor do Fiat do Infante Afonso, irmão do rei e entusiasta destas máquinas. Máquinas com potências na ordem da dezena de cavalos.
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O “pequeno problema” da Face Oculta
(...) Pode dizer-se, e certamente com razão, que o exercício do poder politico e económico sempre terá sido assim. Sempre terão existido “manobras de bastidores” e “jogos de sombra”, que ao “pagode” basta dar pão e circo.
Mas a Democracia tem este “pequeno” problema: todos somos legitimamente interessados no exercício do poder pelos eleitos. Fomos nós que os colocámos lá. Ou que não conseguimos evitar que lá fossem colocados. Aquilo que eles fazem, salvo naturalmente o que respeita à sua vida privada, diz-nos directamente respeito.
(…)Falamos de conversas que indiciam manipulação de larga escala, recorrendo a meios e a dinheiros públicos, com vista a perpetuar o poder dos políticos que se sentam nas cadeiras do dito cujo.
(…)A questão pode (e deve) pôr-se em termos individuais e não jurídicos: se qualquer um de nós recebesse um CD com gravações de conversas chocantes, não sobre a vida íntima da vizinha, mas sobre comportamentos e actuações duvidosas daqueles que elegemos e nos governam, ou daqueles que, não tendo sido eleitos, ocupam cargos dominantes na sociedade, destruiria o CD ou procuraria divulgar o que se passava nas nossas costas? Mesmo sabendo que corria o risco de ser responsabilizado criminalmente por divulgar aquilo que a lei, abstractamente, proíbe, o que lhe imporia a sua consciência?
É certo que o interesse público não se confunde com um qualquer interesse público, mas não é menos certo que são as leis que servem as sociedades e não as sociedades que servem as leis. Ou quem as faz.
(Francisco Teixeira da Mota no Público 13/02/10)
4.2.10
A revolução de 1910: os actores
Fazer vingar a causa do povo em Portugal é operar uma obra de prodígio. O povo não está feito. É fazê-lo. Não é ressuscitá-lo. Ele nunca existiu. Na realidade é dar-lhe nascimento e mostrá-lo à própria nação assombrada, como um homem novo e sem precedentes.
(João Chagas, Cartas Políticas, 12 de Abril de 1909, citado por Pulido Valente)
Mais do que programas de governo, os republicanos eram portadores de um projecto de transformação fundamental da Humanidade. Descendentes directos das “luzes”, acreditavam que através da “educação” podiam criar um novo homem – ideia que os marxistas retomarão, com base numa classe específica e, talvez, maior dose de realismo… mas também não os ajudou muito. Seja como for, a citação de João Chagas transmite bem a arrogância com que os filhos das “luzes” resolveram terraplenar as crenças antigas, para reconstruir o homem do povo. Claro está, que nesta perspectiva, o povo não contava como actor, pois nem existia; no seu lugar só existia uma massa bruta que por vezes, com repulsa, se designava por a “canalha”.
Em compensação, o “poder”, isto é, os actores políticos institucionais em Outubro de 1910, seriam vários. Desde logo o rei, o governo e as Cortes; para lá destes, as duas organizações perenes da nação portuguesa, a Igreja Católica e o Exército. Em seguida, a oposição ao regime, o Partido Republicano e uma organização, nessa época incontornável, a Carbonária Portuguesa. Contudo, segundo Pulido Valente, decisivas de facto, só foram a abstenção do Exercito e a acção da Carbonária.
O jovem rei Manuel II, diz-nos Pulido, ao contrário do pai, não era senhor de si. Era um adolescente ingénuo que se deixava usar. O prestígio de Carlos fundava-se na sua independência, mas por detrás de Manuel espreitavam os detestados políticos do Rotativismo. As Cortes e o Governo, pouco relevo tiveram também, porque ao contrário do que se pensava, não tinham o apoio do Exército.
Quando depois do assassínio de Carlos, os partidos rotativos voltaram ao poder, resolvidos a acalmar o país, a oficialidade considerou a “acalmação” uma retirada cobarde. De 1908 em diante, os partidos “históricos” sofreram mais divisões e conflitos internos do que nunca e as Cortes tornaram-se ainda mais desordeiras e impotentes, enquanto o PRP a pouco e pouco emergia como a única alternativa ao caos. A constituição do governo de Teixeira de Sousa, em Julho de 1910, destruiu as últimas razões que a oficialidade ainda poderia ter para defender o regime, visto que, de modo geral, achava o homem, “um aliado dos republicanos”. (in O Poder e o Povo)
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2.2.10
A revolução de 1910: a ascensão
Estabeleceria a ascensão do Partido Republicano Português ao poder nas sete etapas seguintes:
1. As comemorações do centenário de Camões em 1880 (favorável)
2. O ultimatum inglês em 1890 (favorável)
3. A revolta republicana no Porto em 1891 (negativa)
4. A ditadura de Hintze Ribeiro em 1893 (negativa)
5. A divisão do PRP em 3 Juntas Directivas em 1902 (negativa)
6. A questão dos tabacos” em 1903 (favorável)
7. A ditadura de João Franco e o escândalo dos adiantamentos em 1906-07 (favorável)
8. O regicídio de 1908 (a causa próxima e determinante)
1. Quatro anos depois de fundado o partido atraiu a atenção do país, ao organizar, em 1880, as comemorações do 3º Centenário de Camões. Daí em diante não deixou de crescer em número e influência. Criavam-se constantemente novas comissões, clubes, centros e jornais, e um deles, “O Século” depressa alcançava projecção nacional.
2. Passados dez anos, em 1890, a crise do ultimatum inglês, por causa do “Mapa cor-de-rosa”, trouxe ao PRP uma força sem precedentes. Recordemos que Portugal sofrera no início do século XIX uma serie de choques: as invasões francesas, a fuga do rei, a sujeição aos ingleses, a independência da jóia da Coroa (Brasil), e depois as revoluções falhadas com intervenções estrangeiras descaradas. Desde 1820 que o país vivia sob o signo da humilhação. Ao advogar a resistência inflexível (e demagógica), o PRP promoveu-se como esperança e veículo do patriotismo português, por oposição à desonra nacional, concentrada na dinastia dos Bragançãs, que nunca haviam hesitado em “vender” a Nação para “se conservarem a si”.
3. Apesar de abalada, a Monarquia não deu sinais de cair e os elementos extremistas decidiram recorrer à violência. Em 31 de Janeiro de 1891, contra ordens expressas do Directório, fizeram uma revolta no Porto e foram esmagados. O clima de histeria gerado colocou o PRP em sérias dificuldades, permitindo à Monarquia não só fechar um número considerável de centros republicanos, mas também silenciar os respectivos jornais.
4. Em 1893, Carlos lançou Hintze Ribeiro numa ditadura administrativa. Talvez por causa da sua irrelevância politica o PRP aceitou aliar-se ao Partido Progressista, um dos parceiros do Rotativismo, formando uma “Coligação Liberal”. Durou cerca de três anos e quase destruiu o PRP. A ala radical condenou o oportunismo do Directório e resolveu afastar-se do Partido, fundando um Grupo Republicano de Estudos Sociais.
5. Em 1902, o Partido entrou em dissolução, e o Congresso desse ano retirou o poder ao Directório, entregando-o a três juntas directivas, do Norte, do Centro e do Sul. Desde 1891 que a repressão aumentava enquanto o desânimo se generalizavam entre os republicanos. A Monarquia transformara a Guarda Municipal – os pretorianos do rei, como eram conhecidos – numa sólida força de combate de rua e legalizou-se a deportação perpétua, sem julgamento, para crimes políticos.
6. Durante vinte anos a corrupção constituiu o principal e mais regular alimento da propaganda republicana. Os delitos variavam muito mas podem ser reduzidos a três espécies: concessão indevida de fundos públicos, tráfego de influências e um grupo de coisas menos subtis, tais como falsificações e desfalques. Os republicanos, para além de se considerarem como modelo de virtude, insinuavam que, se o povo era espremido por impostos e a dívida do Estado não parava de crescer, era apenas devido à necessidade de sustentar a “camarilha” rotativa e o respectivo chefe, o rei.
Para o regime, o mais prejudicial de todos os escândalos foi, sem dúvida, a chamada Questão dos tabacos, entre 1903 e 1905. É impossível explicar sumáriamente as suas perversas complexidades, mas podemos dizer que o negócio do tabaco era um dos maiores que existiam em Portugal e o monopólio da sua exploração, pela Companhia dos Tabacos, sempre foi controverso. Porque servia também de penhor para os empréstimos que eram concedidos ao Estado português. As questões levantadas pela renovação dos contratos do tabaco e dos fósforos, conjugadas com um empréstimo de 65.000 contos ao governo de Hintze, levaram à sua queda e dividiram o Partido Progressista, o que juntamente com a cisão de Franco, tornou o Rotativismo inoperante.
7. Em 1906 o rei tinha já compreendido que o Rotativismo estava esgotado, e que não resistiria à violência popular em Lisboa. Segundo Pulido Valente, existiam duas soluções: reprimir pela força a agitação urbana (como a seguir se fez na ditadura) ou integrar o radicalismo no regime através de um novo arranjo partidário e de eleições, por assim dizer, “honestas”. Apoiando a ditadura militar de João Franco, o rei tentou a “segunda via”. Mas a “segunda via”, com 62% da população na agricultura e 75% de analfabetos, para não falar na quase completa ausência de indústria fabril, era inteiramente ilusória. Tarde ou cedo acabaria mal.
Para piorar as coisas, veio a saber-se que desde 1890, todos os ministérios tinham feito empréstimos ilegais ao rei. João Franco comunicou estes factos ao Parlamento justificando que os empréstimos não passavam de “adiantamentos”. Mas é evidente que nenhuma pessoa honesta se prestaria a receber “adiantamentos” secretos durante vinte anos, sem nunca os repor. Afonso Costa ameaçou o rei de “cadeia” e, como é natural, o episódio varreu o que ainda restava de prestígio monárquico.
8. Na opinião de Pulido Valente, a partir do momento em que o rei proclamou a necessidade de estabelecer uma ditadura militar, só duas coisas podiam salvar os seus inimigos republicanos: uma revolução ou um crime. Experimentaram primeiro uma revolução – 28 de Janeiro de 1908 – e falharam. O governo prendeu o estado-maior do PRP e preparou-se para o deportar. Três dias mais tarde, a 1 de Fevereiro, Carlos, que estava de férias em Vila Viçosa, regressou a Lisboa. Formou-se um cortejo de vitória em coche aberto, a caminho do Paço e, andados uns metros deu-se o Regicídio: dois militantes republicanos abateram o rei e o príncipe herdeiro. Sem o apoio do rei e a obediência incondicional que este inspirava ao Exercito, Franco nada podia. A 2 de Fevereiro, o herdeiro Manuel II, substituiu-o por uma coligação de regeneradores, progressistas e independentes.
Mas no caso do rei ter sobrevivido, talvez tudo tivesse sido diferente. Carlos e Franco, em 1908, não enfrentavam uma revolução. As dificuldades diplomáticas e financeiras do princípio do reinado haviam sido ultrapassadas. Havia um movimento Republicano em Lisboa, mas o regime tinha sobretudo de lidar com o desespero de alguns políticos que o Rei preterira a favor de Franco, e que, no seu despeito, não haviam hesitado coligar-se com os republicanos para o derrubar. Sem muito sucesso: não tinham conseguido levantar o povo nem o exército e o núcleo dos conspiradores era pequeno. Se os seus líderes tivessem sido expulsos do País, como estava previsto, provavelmente não se teriam encontrado lideranças para novas tentativas revolucionárias. Por isso, um dos inimigos de D. Carlos, Júlio de Vilhena reconheceu nas suas memórias: “se o Sr. João Franco guarda naquele dia a pessoa do Rei, a ditadura estava vencedora e o Partido republicano, com a prisão e julgamento dos seus principais chefes, ferido na medula por vários anos”.
Por tudo isto, considero como causa próxima e eficiente da revolução, daí a dois anos e nove meses, o regicídio do rei Carlos.
(depois de ler Vasco Pulido Valente, O Poder e o Povo 1974)
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1.2.10
A revolução de 1910: a ideologia
Quando em 1903, a chamada “geração do ultimatum” começou a reconstruir o Partido, não havia no Porto uma comissão municipal. Contudo, os homens de 1903 não partiram do nada, herdaram um complexo corpo de tradições. Segundo Pulido Valente, as formas ideológicas específicas do Republicanismo português foram determinadas pelo estatuto social dos quadros dirigentes do PRP, e não passam de uma adaptação de ideias já velhas na Europa de então.
Três factores terão potenciado essa ideologia:
a) O nacionalismo, a velha preocupação com a “decadência pátria”, um factor social permanente na História de Portugal, mas que sem a semi-colonização inglesa pouco teria pesado. Foi o “ultimato” o seu catalisador. A crise dividiu a nação em dois campos inimigos: por um lado a pequena burguesia urbana, e sectores do operariado oficinal, prontos a vingar a “injúria” e a “erguer a Pátria nos braços”; por outro, os adoradores do “Deus Milhão”, representados pelos “porcos da vara de Bragança”, que a “sangravam” e iam, a seguir, indiferentes, “caçar” enquanto o “estrangeiro odioso ria”. Depois do ultimatum, o PRP encarnou Portugal.
b) A evolução interna do partido republicano que, começou por se considerar um grupo distinto na sociedade portuguesa, mas que a pouco e pouco foi tomando consciência da marginalização que ia sofrendo, da subordinação aos partidos dominantes. A vida do PRP corresponde quase dia a dia à vida do Rotativismo, a corrupção e os “escândalos” desempenharam um papel central na formação da consciência republicana. Acreditava-se que, mal se deixasse de sustentar os “acumuladores” e “parasitas” monárquicos, o orçamento se reduziria a metade; sonhavam com um mundo onde todos tivessem os mesmos privilégios e oportunidades, numa visão essencialmente igualitária. O Partido apresentava-se à nação como paradigma de virtude, perdido num mundo pecaminoso, começando a ver-se a si mesmo como um movimento de interesse universal, verdadeiro “corpo da nação”.
c) Após as comemorações do “Tricentenário de Camões”, o partido tentou sem sucesso mobilizar a opinião “anti-jesuíta”. Mas foi só após 1909 que a campanha passou a ter êxito, porque o regime monárquico abandonou o seu liberalismo e passou a apoiar-se nos católicos ultramontanos (os famosos poderes ocultos). O anticlericalismo foi um factor circunstancial e operativamente importante, apenas porque a Monarquia sobreviveu à ditadura de Franco e à morte de D. Carlos. A violência exercida contra a “corja jesuítica” depois da revolução de Outubro, explica-se largamente pelo clima de histeria então criado pelo PRP.
(respingado de Vasco Pulido Valente, O Poder e o Povo 1974)
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