You
I walk along the city streets you used to walk along with me
and every step I take reminds me of just how we used to be.
Well, how can I forget you, girl?
When there is always something there to remind me.
Always something there to remind me.
As shadows fall, I pass a small cafe where we would dance at night.
And I can't help recalling how it how it felt to kiss and hold you tight
I was born to love her, and I'll never be free.
You'll always be a part of me.
NakedEyes (from DustySpringfield)
Images of God
Sofia Villani Scicolone - Roma 1934
But where do you go to my lovely...
When you're alone in your bed.
Tell me the thoughts that surround you.
I want to look inside your head.
Etiquetas: amor fati, images of god
Back from the Cold
pé ante pé... o homem que quase fala em português, voltou.
depois do Jpt... este mundo está-se a recompor :)
Antonieta
Bonito, o ritmo é interessante, a música exalta por vezes, as imagens tornam-se muito belas, aliás… Versailles encanta.
Mas subscrevo Polido Valente (Público de sábado, que me levou a ir ver) que quando não é boçalmente “moderno”, impressiona pelo saber; Antonieta não foi uma ingénua doçe e os casamentos políticos da época nada tinham a ver com aspirações românticas.
Penso até que a razão das recentes raivas francesas em relação à Sofia Copolla se situam por aí, que não era Luís o frigido, mas mais a Maria.
Polido Valente vê também na dama algum pré-modernismo em aspectos como o romântico culto do “eu”, a rejeição da etiqueta da corte e a majestade descendo à “humanidade vulgar”.
Mas julgo que a corte francesa do século XVIII nada tinha a ver com modernidade, seria mesmo a sua antítese.
Porque há diferenças essenciais entre o século XVIII e o outro (XIX) que se anunciou na Grand Cour de Versailles, aquela tremenda noite de 5 de Outubro de 1789.
Há uma diferença de essência… entre a estratificação social do século XVIII, sagrada e imutável, com a nobreza aristocrática da corte, formal mas seduzida pelas ocas aparências, ... e a burguesia esfaimada, ambiciosa, que rudemente fez irromper o igualitarismo e a contingência, anunciando o século XIX; curiosamente nessa noite a maioria eram mulheres.
Essa história não passa no filme, o que passa são belas imagens e sons, uma espécie de video clip gigante sem grande contexto, tudo num ar do nosso tempo (para citar de novo o VPV) que por acaso é de tão de ocas aparências como as da “gentil” gente de Versailles.
Subscrevo o Ricardo, é ligeiro, vazio… também não me toca.
Lés Métèques
Dans la Grèce antique, le terme de métèque désigne l'étranger domicilié dans une cité autre que celle dont il est originaire. Les Grecs différencient le métèque, étranger résidant, de l'étranger de passage.
Post: Kourtajme Video: 28millimetres Fonte: LetraAlSueno
Vale a pena ter paciência e ver o vídeo (clickar a imagem)
A sub-cultura urbana, a arte que nasce do grito...
Da Matéria 3: Bergson
Volto um instante à “percepção pura” imaginada por Bergson em Matéria e Memória, para fazer sentir o quanto a sua problemática da relação entre matéria e espírito é leibniziana no seu fundo.
É certo que a hipótese de trabalho de Bergson é muito diferente, é pragmática, se assim o quisermos: o corpo vivo é um agente de transformação das coisas, qualquer percepção conduz a uma acção.
Mas o que não é pragmático é que a percepção seja aplicada por Bergson a qualquer ponto material: “quanto mais imediata for a reacção, mais será necessário que a percepção se pareça com um simples contacto e o processo completo de percepção-reacção distingue-se apenas quando da impulsão mecânica seguida de um movimento necessário” (Matéria e Memória).
À medida que se sobe na escala dos seres organizados, observamos que a reacção imediata é atrasada, “impedida” e que essa inibição explica a indeterminação, o imprevisível, a liberdade crescente das acções.
Bergson vê o motivo para a existência desta inibição na extensão e na complexidade dos dispositivos nervosos que se interpõem entre as fibras aferentes (ou sensitivas) e as fibras eferentes (ou motrizes).
O “espelho” complexifica-se, o influxo produzido pode ser filtrado por muitas vias. Passará apenas por uma via e esta será a acção real. Mas muitas outras acções eram possíveis e ficarão inscritas no seu estado virtual.
É assim que a percepção deixa de ser “pura” ou seja instantânea e que a consciência representativa pode nascer dessa reflexão (no sentido óptico) desse “eco”, do influxo sobre o conjunto das outras vias possíveis e ignoradas actualmente, que formam a memória; trata-se apenas de memória imediata, ou hábito; a lembrança será a memória dessa memória.
É assim que, o que se dá um por um, como diz Bergson, “abalo após abalo” no ponto material amnésico, é identificado, condensado, como numa só vibração de alta-frequência, na percepção auxiliada pela memória.
A diferença pertinente entre o espírito e a matéria é o ritmo.
Num “instante” de percepção consciente que é na realidade um bloco indivisível de duração feito de vibração, “a memória condensa uma multiplicidade enorme de abalos que aparecem todos juntos, apesar de sucessivos” (Matéria e Memória, p. 73)
Para encontrar a matéria a partir de uma consciência bastar-nos-ia “dividir de modo ideal esta espessura individida de tempo e dsitinguir nela a multiplicidade desejada dos momentos” (ibid.)
Podemos exemplificar com uma dessas “qualidades segundas” abandonadas pela explicação mecanicista, por exemplo a cor vermelha.
A Ciência vê neste exemplo uma autêntica matéria, reconhece na luz vermelha uma vibração de campo magnético cuja frequência é de 400 triliões de vibrações por segundo.
O olho humano precisa de dois milésimos de segundo para dissociar duas informações no tempo.
Se tivesse que dissociar as vibrações condensadas na percepção do vermelho, seriam necessários vinte e cinco mil anos.
Mas ao sincronizar-se com esse ritmo, deixaria de perceber a cor vermelha, registaria apenas “abalos Puros” diz Bergson.
O indivíduo passaria a ser cada um dos abalos, instante após instante; seria um ponto material “puro” ou “nu”.
Jean François Lyotard, O Inumano, considerações sobre o tempo, Estampa 1990
Saving private Ryan
I just know that every man I kill, the farther away from home I feel.
Things have taken a turn for the surreal. (Captain Miller)
The streets are deserted
But there's sounds at every corner, the clink clink of the sprays as they are shaken down.
A spray steams out, fffrrr creating three or four patches of colour.
It's like the urge to clean up your mouth.
Purging the nozzle.
Speed Lovers
Hans Herrmann brilha com o pequeno Porsche 550 spyder (Filipe Nogueira vencerá o primeiro campeonato nacional de condutores num carro semelhante, no ano seguinte) a caminho do terceiro lugar na Panamericana de 1954; só os potentes Ferrari de 5 litros conseguiram superá-lo.
A Carrera Panamericana era uma prova de estrada aberta, á imagem das Mille Miglia e do Targa Florio em Itália, ou do Gran Premio de la América del Sur dos anos 40 (corrido pelo jovem Fangio).
Organizada em 1950 no Mexico, com partida em Ciudad Juarez na fronteira Norte e chegada em El Ocotal no Sul seis dias depois, inaugurou a parcela mexicana da "Panamerican Highway". Acabou em 1955 após o grande desastre de Le Mans, mas ressurgiu como rally de clássicos nos anos 80.
A "Panamerican Highway" construída nos anos 50, ligou 15 países desde a Argentina ao Alaska numa extensão de 48.000 km.
Da Matéria 2: Monadologia
Spaceflightnow
As transformações nucleares como as que afectam certos elementos materiais ditos radioactivos ou que ocorrem nesses crisóis de transmutações que são as estrelas ou como as que provocamos com os bombardeamentos e a fissão do núcleo de plutónio ou de urânio 235, essas transformações não só exigiram a longa história das pesquisas físicas, de Descartes a Heisenberg, mas pressupõem um transtorno completo da imagem da matéria.
É com esta imagem invertida, por mais confusa que seja para um espírito tão mal formado quanto o meu, que se mede inevitavelmente, de perto ou de longe, o pensamento contemporâneo.
Um eixo essencial desta inversão da imagem da Matéria consiste na proeminência do Tempo, na análise da relação entre o corpo e o espírito.
Escreve Bergson: “As questões relativas ao sujeito e ao objecto, a sua distinção e união, devem ser postas em função do Tempo e não do Espaço” (Matéria e Memória, § 4).
O autor de “Energia Espiritual” recorda a frase de Leibnitz: “Podemos considerar qualquer corpo como um espírito instantâneo se bem que privado de memória” (Carta a Arnaud, Nov. 1671)
O instante que marca o acto espiritual em de Descartes, o tempo intemporal do entendimento, oscila assim para o lado da actualidade material. A mónade (substancia simples indivisível e activa que é elemento essencial de todos os seres do Universo segundo a filosofia de Leibniz) completamente nua é esquecida de um instante para o outro.
O verdadeiro espírito é memória e reminiscência, tempo contínuo, e no entanto, esta memória permanece local, limitada a um “ponto de vista”.
Apenas Deus tem ou é a Memória do Todo e o seu programa respectivo. Apenas Ele dispõe de todas as noções das mónades, de todas as propriedades que desenvolvem, desenvolveram e irão desenvolver.
Memória absoluta que é, ao mesmo tempo, um acto intemporal.
A localização das mónades criadas é a versão espacial da sua temporalidade. Têm um “ponto de vista” imanente ao Espaço porque são imanentes ao Tempo, porque não têm memória suficiente, não recolhem o suficiente.
Ao considerá-la espacialmente, qualquer mónade é um ponto material que se encontra em interacção (directa na proposição de Bergson; mediatizada pela sabedoria divina na opinião de Leibniz) com todos os outros pontos materiais.
Eis porque Bergson pode dar o nome de “imagem” a esse ponto material (Matéria e Memória) e Leibniz o dota de uma “percepção”.
Poderíamos dizer que o Mundo inteiro se reflecte em cada ponto material, mas o que dele estiver mais afastado e o que levar mais tempo para se tornar distinto (da mesma forma que calculamos distancias em tempo, nos passeios de montanha ou nas expedições interestelares), só poderá inscrever-se no “espelho” se o ponto material tiver a capacidade de reunir e conservar muitas informações de uma só vez. Se assim não for o registro pode ocorrer mas continua desconhecido.
É portanto necessário imaginar que entre matéria e espírito existe apenas uma diferença de grau que consiste na capacidade de recolher e conservar.
O espírito é matéria que se lembra das suas interacções, da sua imanência.
Mas o desdobramento é contínuo entre o espírito instantâneo das coisas e a matéria muito recolhida dos espíritos.
Se existir tal continuidade entre os estados da matéria, significa que todas as unidades materiais, mesmo as mais “nuas”, como é dito na “Monadologia”, só podem consistir na sua forma, tal como Aristóteles entendera. Isto porque a matéria considerada como “massa” se divide infinitamente e porque a unidade que pode produzir é apenas fenomenal.
Acontece o mesmo com cada corpo humano, o qual não pára de mudar de massa e só tem unidade real e exacta devido à sua diferença, ao seu “ponto de vista”, ele próprio determinado pela sua “forma”, ou seja: a sua capacidade para recolher as acções que se exercem sobre ele (a que chamamos interacções).
Se existem “átomos de substância” eles são, portanto, “pontos metafísicos”, são algo vital e uma espécie de percepção.
Imagino pois este átomo como o ponto onde se projectam todas as imagens que a mónade tem do Universo.
Nenhuma possui o Universo por inteiro no seu espelho (Monadologia, § 56); de outro modo não a poderíamos distinguir de outra mónade. Ora, um ser é um ser.
Na matéria, não é a “massa” que obedece ao princípio dos indiscerníveis (pelo contrário, ela é a multidão), mas é a forma que é a projecção num ponto matemático de uma textura de relações.
E, se as imagens mudam no espelho de cada átomo formal, é necessário que todos os outros espelhos reflictam, cada um segundo o seu ponto de vista, as mudanças complementares do primeiro.
Esta harmonia é assegurada pela sabedoria divina, a única que representa tudo, enquanto que a diferenciação dos “pontos de vista”, a multiplicação das mónades que representam a diversidade do Mundo e a complexidade dos corpos, resultam do princípio segundo o qual a potência total deve desdobrar todas as suas possibilidades.
A nossa Ciência laica dá o nome de Energia à potencia dita total e atribui a responsabilidade da concordância entre os pontos da Matéria, à sua compossibilidade, não a uma sabedoria, mas sim ao acaso e à selecção que fixam (para “durações de vida” muito desiguais), organizações materiais, “átomos formais” que são, de qualquer forma, precários.
Jean François Lyotard, O Inumano, considerações sobre o Tempo, Estampa 1990
Cosmopolitismo 2: a herança helenística e a Res Publica Christiana
JNavarro
No mundo romano, a presença de uma doutrina cosmopolita está ligada à crise da cultura política republicana e aos vínculos com o mundo helenístico.
O intermediário entre a doutrina estóica e Roma foi o filósofo Panécio.
Trata-se de uma filosofia moral concreta, que insere elementos universais e comuns a todos os homens, na vida real da sociedade. Nesse sentido, o Cosmopolitismo de Panécio podia harmonizar-se com a realidade politica de Roma e com a sua hegemonia.
Também Cícero tentou opor à crise que ameaçava a Republica, os ideais da Humanitas, e da Concórdia Ordinum, baseados nas Leis. É também Cícero que atribui a Sócrates o estereótipo cínico já visto em Diógenes de Laertes, fazendo-o definir-se como “Cidadão do Mundo”, o que não é correcto, porque deforma o pensamento do “primeiro filósofo”, que apesar de anunciar uma moral universalista, se manteve fiel às leis da Polis, tanto que não recusou a morte.
A Pax Augusta permitiu também momentaneamente um papel importante aos intelectuais na ideologia romana. Séneca baseou-se nos ideais cosmopolitas, para escrever “De Clementia” um verdadeiro programa, visando renovar o principado à luz de valores de Filantropia, ensinados pela filosofia estóica: era o sentimento de amor que deveria ligar o príncipe aos súbditos, sem distinção na qualidade de homens.
O uso do poder de Nero deve ter demonstrado bem depressa a profunda fragilidade da tentativa.
Mas não foi a última, porquanto na época dos Antoninos parece ter-se realizado a velha aspiração platónica do poder supremo entregue a um filósofo (Marco Aurélio).
O último eco importante das aspirações cosmopolitas dos estóicos está ligado aos juristas que prepararam a Constitutio Antoniniana de 212, que acabava definitivamente com a distinção entre os cidadãos romanos e os outros, afirmando a igualdade de todos os homens perante a Lei.
Depois da divisão do Império e das invasões bárbaras, o tema de uma comunidade supra nacional inspirou-se preferencialmente em ideais religiosos, no universalismo de uma Res Publica Christiana, onde os homens seriam iguais porque todos filhos de Deus.
O Cristianismo teve de escolher desde o início, entre limitar-se a ser uma heresia local ou dirigir-se ao Mundo, superando os limites hebraicos.
O conflito entre Pedro, e o fariseu helenizante Paulo, ao terminar com a vitória deste ultimo, derivou na opção universalista.
Foi esta opção que inspirou depois todo o relacionamento político do Cristianismo, que passou da indiferença ou total oposição, até ao reconhecimento de dois poderes, surgidos na luta secular entre o Papado e o Império. Nesse conflito, ao afirmarem a dimensão universal dos próprios poderes, ambos os contendores reconheciam implicitamente o mesmo carácter ao antagonista.
Mas para um Cristianismo triunfante, capaz de se assumir como uma força organizadora e hegemónica, tornada elemento de unificação, é preferível falarmos de Universalismo e não propriamente de Cosmopolitismo.
Tinha-se entretanto, obscurecido a consciência do direito individual a uma escolha; ficavam assim cada vez mais distantes e nebulosos os ideais cosmopolitas da Antiguidade.
Giuseppe Ricuperati in Dicionário de Política/ Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, Universidade de Brasília, 12ª ed. 2004
O Campionissimo
Continuando uma saga que me é cara, o desfile dos condutores campeões mundiais, ao primeiro e ao segundo, segue-se o terceiro da praxe, lol.
O terceiro campeão do Mundo foi italiano, e os conterrâneos chamaram-lhe Campionissimo, porque foi o primeiro a vencer dois campeonatos de seguida.
Era considerado o igual de Fangio e mais de meio século após morte, a Itália ainda lembra com carinho o seu último campeão, para o qual ainda não encontrou o sucessor.
Ascari ou Fangio, qual seria o melhor? o debate dura porque os dois homens nunca verdadeiramente se enfrentaram com armas iguais.
Mas o que foi ele fazer a Monza naquela manhã de Maio, quatro dias após os homens-rã o terem retirado das águas na baía de Monte Carlo, onde mergulhara com o Lancia F1?
Foi encontrar-se com o jovem pupilo Castellotti, que fazia a “mise au point” do novo Ferrari de sport.
E no último momento, quando já se ia embora, saltou de gravata e tudo, para dentro do carro, pedindo o capacete a Casttelloti: “após um acidente é preciso voltar logo para um carro de corrida, senão a insegurança pode instalar-se” dizia.
Na saida da curva de Lesmo para a Vialone, o rugir do motor é cortado por um estrondo, o metal rojando pelo asfalto, por fim silencio… o Campionissimo jazia na erva ao lado dos destroços do Ferrari. Ninguém viu o acidente.
“Se pensas tanto na morte, porque continuas a correr”, perguntou-lhe uma vez Enzo Ferrari, “porque se me tirarem as corridas, tiram-me a vida” respondeu.
Alberto “Ciccio” Ascari (Milão 13 julho 1918 - 1955 Monza)
33 Grand Prix disputados
13 vitórias (39%)
14 pole positions (42%)
1950 – 5º no Campeonato do Mundo (Ferrari)/ Farina
1951 – 2º no Campeonato do Mundo (Ferrari) 2 vitórias/ Fangio
1952 – Campeão do Mundo (Ferrari) 6 vitórias
1953 – Campeão do Mundo (Ferrari) 5 vitórias
1954 – 25º no Campeonato do Mundo (Lancia)*/ Fangio
1955 – Morre em Monza
* desistiu nas 4 corridas em que entrou com o novo Lancia D50 F1
Da Matéria: Descartes
A Mecânica de Descartes e a Metafísica precisam apenas de uma substância nua. “A natureza da matéria ou do corpo visto como um todo não consiste no facto de ser uma coisa dura, pesada, colorida ou que toque os nossos sentidos de qualquer outra forma, mas apenas no facto de ter uma substancia longa, larga e profunda” (Princípios da Filosofia, II, p. 4).
Assim é o corpo “substância das coisas materiais”.
A extensão é infinitamente divisível (p. 20) e não é portanto constituída por elementos simples (átomos), não contém nenhum vazio (p.16-18), é homogénea e contínua; é indefinida (p. 21).
Num sentido particular, o corpo é uma parte extensa.
O movimento é a deslocação desse corpo, de uma vizinhança entre dois corpos.
O movimento é apenas relativo a um observador julgado imóvel.
Se bem que não haja diferença substancial entre repouso e movimento.
O movimento não exige nenhuma forma especial, é uma propriedade do móvel, o repouso é uma propriedade diferente.
Os únicos transformadores pertinentes são os axiomas da Geometria Clássica.
A matéria cartesiana é um conceito, a extensão perfeitamente transparente para o pensamento geométrico-algébrico. Tudo o que dela vem pelos sentidos é retirado como aparência. Sendo o meu corpo uma parte de extensão não me pode informar sobre a extensão em geral e sobre a sua lógica matemática.
A fisiologia, pelo contrário, tenta explicar as aparências (dureza, peso, cor, etc.) pelo único mecanismo de figuras e movimentos.
É necessário encontrar a máquina sob a sensibilidade que apenas é um efeito do teatro.
Hoje diríamos que não há matéria no pensamento cartesiano.
A expiração do “outro material” inspira a decisão de recusar os “saberes” do próprio corpo. A união da alma e do corpo permanece um enigma inexplicável. A alma só se une a si própria, por meio dos seus transformadores próprios, as ideias originais, as categorias. Dispõe da linguagem única. O corpo é um locutor confuso: diz “mole”, “morno”, “azul”, “pesado”, em vez de falar de linhas, curvas, choques e relações.
A Matéria assim recusada, expirada, permanece nesse pensamento violentamente moderno: é a confusão enigmática do outrora, a confusão da vila mal construída, da criança ignorante, cega, do olhar estranho da pequena rapariga amada por René Descartes quando criança.
De tudo o que nos vem por trás, “da frente”. A confusão, o preconceito, são matéria do pensamento, a desordem do passado que ocorre antes de ter sido desejado e concebido, que não sabe o que diz, que se deve traduzir e corrigir sem parar, actual e activo em intuições distintas.
A infância, o inconsciente, o tempo (porque “então” é “agora”), o antigo, são a matéria que o entendimento pretende resolver no acto e na actualidade da intuição instantânea.
Toda a energia pertence ao pensamento, que diz o que diz, que quer o que quer.
A Matéria é o fracasso do pensamento, a sua massa inerte, a estupidez.
Que impaciência, que angústia, no Modernismo cartesiano!
Jean François Lyotard, O inumano, considerações sobre o tempo, Estampa 1990
Noite de Luz
Vocês, os filósofos, colocam questões sem resposta, que assim devem permanecer para que mereçam o nome de filosóficas.
Uma questão equacionada só pode ser, segundo vocês, uma questão técnica. Era técnica. Foi tomada como sendo filosófica.
Desviam então a vossa atenção para uma outra, que aparenta ser impossível de resolver e que deve resistir a toda e qualquer conquista do entendimento.
Ou então, o que acaba por ser o mesmo, declaram que o facto de a primeira questão ter sido resolvida se deve à mesma ter sido mal colocada.
E atribuem a vocês mesmos o privilégio de a manter irresolúvel, ou seja, bem colocada, a questão que a técnica, ao acreditar tê-la solucionado, mais não fez que a maltratar.
Uma solução tem para vocês o valor de uma ilusão, é uma verdadeira falta para com a integridade devida ao Ser, e por aí fora...
Vida longa á vossa paciência. Poderão sempre resistir à custa dessa incredulidade. Não se espantem no entanto se por causa desta irresolução, o leitor caia no aborrecimento.
Mas não é essa a questão. Na espera, envelhece o Sol.
Explodirá dentro de 4,5 mil milhões de anos. Já ultrapassou um pouco a metade da sua vida. É como um homem de quarenta e poucos anos dotado de uma esperança de vida de oitenta.
Com o seu fim, terminarão igualmente as vossas questões irresolúveis.
Talvez se mantenham, impecavelmente bem colocadas, mas não haverá mais onde as colocar, nem lugar para existirem.(…)
Após a morte do Sol, não haverá pensamento para reconhecer que era da morte que se tratava. Diante dela tudo parece fútil. Guerras, conflitos, tensões políticas, movimentos de opinião, debates filosóficos, até paixões, tudo está desde logo morto se essa reserva de infinito da qual retiram actualmente a energia para diferenciar as respostas se, em suma, o pensamento como busca deve afinal morrer com o Sol.
Jean François Lyotard, O Inumano- considerações sobre o tempo, Ed. Estampa 1990, pág. 17
Speed lovers
Moss's Aston Martin at Nurburgring 1000 Km / BenjamimFreudenthal
When you're racing, it's life.
Anything that happens before or after is just waiting.
Michael Delaney (Steve McQueen), Le Mans
Xupacabras 3 anos
É aí, exactamente aí, que me surges demasiado bela para que aceite deixar que me passes ao lado. Linda, quando ousas!...
Piú bella, quando o peito se te empina vagamente ao confronto e o olho te foge adiante.
Bella: fatalmente bella, quando o queixo se te ergue um pouco à frente dos esperados lugares das coisas.
A Loira
Há blogs míticos no pequeno universo da blogosfera lusa. Pelo menos para mim, o XupaCabras é um deles... mas o XC é diferente, é o fascínio da imagem pura. Creio que faz 3 anos algures por aqui (5 de Outubro, como a República?); recomeça pá... se puderes... sem pressas...
Cosmopolitismo: as tendências universalistas da Grécia Antiga
Os primeiros vestígios de uma doutrina cosmopolita surgiram na Grécia, com os sintomas de crise nas democracias das cidades.
Os antecedentes podem ser encontrados na exigência de uma lei universal presente em Anaximandro, na razão universal de Heraclito, uma realidade que se contrapõe aos diversos modos do Devir, na lei cósmica de Pitágoras, na Filallelia de Demócrito, que torna possível a vida dos homens em comum, e na nova forma dos sofistas de encararem a relação entre a norma dos costumes e a norma da justiça.
É no âmbito da filosofia Cínica que Diógenes (antes de Sócrates) se define a si mesmo como Cidadão do Mundo (Diógenes de Laertes, VI, 63).
O Cosmopolitismo converteu-se depois numa das constantes fundamentais da doutrina histórica, baseada em Zenão de Cicio, em torno do ano 300 a.C., reprovando não só os elementos municipalistas típicos da História grega, como também a distinção mais ampla entre gregos e bárbaros. Zenão já acentuava que os homens pertencem a uma única grei e estão sujeitos a uma lei comum.
A crise política da Grécia e sua passagem à cultura helenística favoreceram a difusão dos ideais cosmopolitas numa sociedade em que a língua grega deixara de ser expressão de uma nação, para ser “koiné”, um meio de comunicação universal.
Não foi por acaso que o Epicurismo e o Estoicismo viram a filosofia como vida contemplativa, e apoiavam o seu Cosmopolitismo em dois elementos fundamentais:
- na ideia de uma razão universal que regula todas as coisas segundo uma ordem necessária;
- na consciência de que a razão fornece ao Homem normas infalíveis de acção que constituem o Direito natural.
Exaltando os valores intelectuais, distinguiam o sábio dos outros homens, precisamente pela consciência (ou falta dela) da caducidade da pátria e do estado.
Giuseppe Ricuperati in Dicionário de Política/ Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, Univ. de Brasília, 12ª ed. 2004
Tavares, Montesquieu e a Pérsia
WernerHorvath
Passando por aqui deparei com uma crítica (fazer o favor de ler, sem o que este post perde bastante sentido) a um texto do historiador com quem tenho embirrado ultimamente.
Devo dizer que aprecio, apesar da embirração, os textos que escreve no Público; o meu problema é que a sua argumentação discursiva parecendo muitas vezes racionalmente urdida e informada, desemboca sempre nos mesmos sítios:
- a denúncia erudita dos "erros" ocidentais
- a compreensão tolerante dos que põem em causa o Ocidente, em especial a América ou Israel.
Hoje usa os islâmicos, mas amanhã poderão ser quaisquer outros; a simpatia do historiador parece-me meramente instrumental.
A "realidade" que deseja não se conjuga com a "realidade" que o rodeia, e sendo o erro de base, tendo-se o Ocidente desviado do trilho certo, há que denunciar, há que zurzir o "sistema": cuidado aí atrás, avisa-nos o historiador.
Mas lendo o texto do FCG, muito mais rigoroso para quem estuda História ou Política, percebe-se que afinal o conhecimento de Rui Tavares é em muitos aspectos superficial, tanto ou mais que o meu... a gente vai-se conhecendo.
Claro que o historiador, não comete erros crassos, nem cai em generalizações excessivas, mas a displicência com que puxa a brasa à sua sardinha, transforma-o mais num artista do que num cientista.
Rui Tavares, com essa atitude, trai a condição de historiador e devia assinar no Público como o "politico".
Do Cosmopolitismo
BratsaBonifacho
Como indicam os étimos gregos, "cosmos" e "polis", Cosmopolitismo é a doutrina que nega as divisões territoriais e políticas (pátria, nação, estado), afirmando o direito do Homem, a definir-se como Cidadão do Mundo.
Devemos distinguir Cosmopolitismo de dois termos que lhe são próximos: Universalismo e Internacionalismo.
O Universalismo compreende qualquer doutrina contra o particularismo, anti-individualista, acentuando os elementos morais e espirituais que os homens possuem em comum; não se contrapõe claramente às realidades politicas da pátria, nação, e estado.
O Internacionalismo, significa sobretudo a necessidade de unidade jurídica supranacional, apesar de numa das suas acepções históricas particulares, mas que é das mais significativas (o internacionalismo socialista) questionar claramente as organizações políticas nacionais, como na clássica afirmação do Manifesto Comunista: o proletariado não tem pátria.
Giuseppe Ricuperati in Dicionário de Política/NorbertoBobbio,N.Matteucci e G.Pasquino, Univ.deBrasília, 12ªed.2004
A aparição do automóvel na "choldra" queiroziana
Em pleno reinado de D. Carlos, cinco anos após o ultimatum inglês de má memória, chegou a Portugal o primeiro automóvel, no dia 12 de Outubro de 1895.
Era um modernissimo Panhard & Levassor com motor frontal (V2 de 1,3 litros debitando cerca de 6 cavalos) e tracção às rodas traseiras, importado de França por D. Jorge, Conde de Avilez, que o leva de Lisboa para Santiago do Cacém (imagine-se a estrada, ou antes o caminho)
É então, também, protagonista do primeiro acidente de viação neste país ao atropelar um burro que passava :)
Nesse mesmo ano realizou-se a primeira corrida de automóveis do mundo, a Grande Épreuve Paris – Bordeaux – Paris ganha precisamente por Emille Levassor num veículo semelhante: 1175 km em 48 horas e 42 minutos.
Da organização da prova nasceu o Automobile Club de France.
Huntington
Ainda do artigo de Rui Tavares: citando o Nobel de Economia Amartya Sen, questiona o historiador, “antes de saber se as civilizações se podem chocar ou devem dialogar, é preciso ver bem se esta história de dividir as pessoas por civilizações faz sentido”. E acrescenta o historiador “quem choca ou dialoga não são civilizações mas indivíduos”.
Não estranho a opinião do economista cuja especialidade é a Micro economia; confesso não conhecer o indiano, mas deduzo que a sua tese se concentra no Bem-estar individual (o indivíduo como medida), opondo-se naturalmente à visão Macro económica de grupos, comunidades, civilizações.
Mas estranho o historiador, cuja especialidade é a História, que conhece a estratificação social da revolução industrial, que usa os termos "esquerda" e "direita", e vem agora afirmar que são indivíduos os protagonistas da História (então, a luta de classes?) apagando por milagre, divisões sociais e culturais.
Modestamente, parece-me mais que o período histórico que vivemos (Globalização) é uma gigantesca síntese de culturas (um processo dialéctico, tão caro a alguns noutro século) que necessariamente provoca fricções e conflitos; parece-me um dado de facto; cabe a nós reduzir o fenómeno, mas que para isso, primeiro temos que o reconhecer, não fingir que não existe, e segundo temos que resistir às intolerancias resultantes, mesmo que seja preciso lutar, porque tolerar a intolerancia é instituí-la entre nós.
Lembremos então, a famosa tese de Huntington de 1996 (já foi há uma década, antes do Nine Eleven), que vejo sempre criticada, mas raramente com seriedade científica.
Bryceart BabelTower
Em finais dos anos 80 o mundo comunista desmoronou-se e o sistema internacional da guerra-fria passou à História.
No mundo pós guerra-fria as diferenças mais importantes entre os povos não são ideológicas, políticas ou económicas. São culturais.
Os povos e as nações estão a tentar responder à mais básica questão que os seres humanos enfrentam: quem somos nós?
E, respondem a esta pergunta da forma mais tradicional, tendo como referencia o que mais conta para eles.
As pessoas definem-se em termos de ascendência, religião, cultura, história, valores, costumes e instituições.
Identificam-se com grupos culturais: tribos, grupos étnicos, comunidades religiosas, nações e a um nível mais amplo, civilizações.
As pessoas usam a politica não só para promoverem os seus interesses, mas também para definirem a sua identidade.
Só sabemos quem somos quando sabemos quem não somos e frequentemente, contra quem somos.
Os Estados-nações continuam a ser os principais actores na cena internacional.
Como no passado, o seu comportamento é moldado não só pela busca de poder e riqueza, mas também por preferências, afinidades e diferenças culturais.
Os agrupamentos mais importantes de estados já não são os três blocos da guerra-fria, mas as sete ou oito maiores civilizações mundiais.
As sociedades não ocidentais, principalmente no Extremo Oriente, estão a desenvolver a sua riqueza económica e a criar a base para um poder militar e uma influência politica reforçados.
Enquanto o seu poder e a sua autoconfiança aumentam, as sociedades não ocidentais reivindicam os seus próprios valores culturais e rejeitam os que lhes são impostos pelo Ocidente.
(…)
Neste novo mundo a política local é a da etnicidade, a politica global é a das civilizações. A rivalidade das superpotencias é substituída pelo choque das civilizações.
Samuel P. Huntington, O choque das civilizações e a mudança na ordem mundial, 1996, pág. 28
Once upon a time in the West
O caríssimo historiador Rui Tavares, continuou no Público de sábado passado, a sua "cruzada" protectora da modernidade, em relação à terrivel "verdade velha" protagonizada pelo malvado Bento XVI; assim escreveu em tom de western:
"Não se deve discordar de Ratzinger, dizem, porque devemos estar todos unidos escrevendo panfletos contra os malvados religiosos... muçulmanos.(...)
um texto não passa a ser consensual, nem muito menos uma brilhante defesa da liberdade, pelo simples facto de ser atacado "pelo outro lado".
Isto faz lembrar aquele momento dos filmes em que o herói luta contra os mauzões que estão na sua frente, sem reparar que nas suas costas surge um tipo empunhando uma garrafa de whisky já destinada a escaqueirar-se-lhe na moleira.
É aí que a mocinha que estava desmaiada cinco minutos antes, grita: cuidado aí atrás!"
Suponho que aqui, o Bento será o tipo da garrafa e o historiador faz o papel da mocinha salvadora.
Quem sou eu, mísero estudante para ensinar o padre-nosso ao vigário, mas a minha fraqueza obriga-me a lembrar isto:
Saberá o historiador que a “verdade velha” da ICAR, é herdeira do antigo império romano, cujo espírito pouco democrático, era ainda assim racional.
Saberá também que num esforço que ficou para a História como “Concílio Vaticano II”, onde Ratzinger foi protagonista destacado, a ICAR se conciliou com a Modernidade, abandonou dogmas da “verdade velha”, e abriu-se ao Mundo aprofundando a sua essência na raiz original, o Amor de Cristo.
Suponho que o historiador reconhecerá que um padre, para "fazer bem o seu trabalho" como diz, tem sempre de acentuar a Fé da religião professa.
E reconhecerá ainda (tenho esperança) que a diferença entre um sacerdote numa religião aberta à Humanidade (cristão e muçulmano) e um sacerdote de uma religião fechada e eivada de tabus, (cristão ou muçulmano) reside na aceitação, ou não, da racionalidade (científica ou filosófica) como método de pensar e julgar.
Ao ponto dos primeiros entenderem como blasfémia a contradição com a razão, porque está na natureza de Deus (é aliás para mim um indício da Sua Existencia); e de os segundos entenderem como blasfémia, precisamente a própria razão se ela contestar a divindade, porque um Deus omnipotente, pode contradizer-se à vontade sem prestar contas a ninguém.
Assim, o historiador Rui Tavares, talvez não goste de ir á bola com o Bento, ou qualquer outro ser religioso como eu, admito, mas fica-me a questão: estaria à espera que o Papa se esquecesse trazer a Fé à Razão?
E se não estava, então… onde vê a garrafa?
Mas olhe, vire-se para a frente que os “outros” (os da religião fechada) nem é com garrafas que lhe dão.