14.4.10
Não são brinquedos!
O novo NRP Arpão (S 168) baptisado pela Dra Maria Barroso à direita do comodoro Mello Gomes
Existem razões várias para que todo este processo se tenha tornado longo, complicado, opaco, pouco sério e, sabemo-lo agora, recheado de personagens de reputação duvidosa.
A decisão do governo Guterres, a da compra, fez todo o sentido: o submarino é um sistema de armas poderoso, potencia frotas de superfície, que por isso podem ser menores, mais ágeis e de menor custo e vulnerabilidade. Guterres chamou-lhe a “Bomba atómica dos pobres”, ou seja: “sabemos que forças poderosas podem agredir / atacar o País ou a União, mas ficam a saber que isso terá para eles custos materiais e humanos avassaladores; aqui reside a dissuasão. Não estou a ver o católico e mui-sério Guterres a deixar-se comprar por quaisquer negociantes de armas ou a deixar-se convencer por um qualquer militar reformado. A decisão foi de certeza ponderada e, segundo muita gente, correcta.
Fiquei particularmente chocado com o embaraço e a gritante ignorância do deputado Diogo Feyo, pessoa que prezo e estimo sinceramente, demonstrada no Jornal das Nove da SIC de dia 31.
Aqui vai alguma cronologia, com a minha modesta ajuda, para esclarecimento de quem queira: Salazar comprou a pronto, entre 1964 e 1968, 4 submarinos à França, que foram aumentados ao efectivo da Armada com os seguintes nomes e números-de-amura:
S163 – NRP Albacora (A)
S164 – NRP Barracuda (B)
S165 – NRP Cachalote (C)
S166 – NRP Delfim (D)
Em 1975 (!) o submarino S165 Cachalote, que tinha sido pago pelos Portugueses a pronto, foi devolvido a França e esta forneceu-o ao Paquistão, que mantinha à época mais uma guerra com a Índia (a França pagou-nos? era um acordo? era um favor? se pagou, quem recebeu o dinheiro? um intermediário? o erário público? um almirante revolucionário? um partido político? seria interessante investigar...). O navio foi incorporado na Marinha do Paquistão com o número S134 e o nome GHAZI. O submarino Paquistanês S131 HANGOR, do mesmo tipo, tinha afundado a fragata indiana INS KHUKRI em 12/07/1971.
Os nossos restantes 3 submarinos foram envelhecendo, navegando e cumprindo as suas discretas mas fundamentais missões.
À data da decisão de Paulo Portas / Governo Barroso, 2004, só já restariam operacionais 2, logo a decisão da compra de só duas unidades estava toscamente justificada perante a chamada “opinião pública”, assim como representava uma efectiva economia.
É preciso dizer que uma frota destas deve, teórica e idealmente, ser composta por 4 unidades: um em manutenção, outro em grande revisão e outros dois operacionais e agindo em conjunto. Três unidades são consideradas, por especialistas verdadeiros, uma frota possível mas “apertada”. Com dois, apenas um está operacional e nem sempre. Mas é melhor que nada. A guerra-fria acabou, os serviços de informações militares podem ajudar tentando antecipar ameaças e a disponibilidade dos navios e melhorando assim gestão da frota. Esta deve também apoiar missões anti-droga, anti-tráfico humano / escravatura, anti-pirataria e anti-terrorismo, com uma boa coordenação. A escolha só de dois navios era, apesar de tudo, justa e mais barata.
Foram escolhidos os melhores e mais eficazes submarinos da actualidade, os alemães: de facto, o material francês (e espanhol...) que perdeu o concurso não era de modo nenhum capaz de estar sequer próximo do nível de qualidade e eficácia dos navios escolhidos por Portugal. O sistema de propulsão sem oxigénio e silencioso (AIP – Air Independent Propulsion) que os franceses diziam que já tinham, estava apenas em fase de ensaio e ao que é sabido, dava problemas difíceis de ultrapassar; como paliativo prometiam incorporar depois da venda a Portugal, esse equipamento nos nossos navios, o que jamais iria acontecer. Os submarinos Franco-espanhóis eram apenas aparentemente mais baratos. Também deve ser referido que nem a França nem a Espanha queriam incorporar nas respectivas frotas esse tipo de navio. A própria Espanha, co-produtor/fabricante, definiu para a sua frota uma máquina mais ambiciosa, e muito mais cara, com sistemas de combate americanos, mísseis de cruzeiro e ainda espera pelo famoso motor sem oxigénio (AIP) de concepção francesa, o que parece ter aborrecido, ou outra coisa em “ido”, a parte francesa do negócio. Queriam portanto vender-nos material que rotulavam internamente de 2ª.
O submarino alemão que Portugal escolheu é o melhor: tem o seu motor independente do ar completamente funcional e eficaz; é furtivo ao ultra-som (sonar) e ao radar; é muito silencioso; tem um enorme raio-de-acção. Quebrava também uma dependência de Espanha e de França que não nos seria benéfica. Há também quem afirme – não sei se é verdade – que os nossos velhos submarinos de fabrico francês beneficiaram de técnicas portuguesas de melhoramento e reparação que Portugal jamais pôde registar e que foram abusivamente aproveitadas pelos franceses sem licença. Por tudo isto a escolha pelo submarino alemão parecia óbvia.
Se chegarem a ser aumentados ao efectivo da Armada terão os seguintes números-de-amura e nomes:
S167 – NRP Tridente (T)
S168 – NRP Arpão (A)
As negociatas, concursos viciados, pseudo-comissões de avaliação, pressões e outras boas-acções levaram a um processo longo e cheio de impugnações e protestos por parte do concorrente Franco-Espanhol. Os submarinos escolhidos por Portugal até tiveram de mudar de nome – truques de secretaria... O que compramos chama-se oficialmente Tipo U209-PN (Portuguese Navy) mas é directamente derivado do Tipo U214 com mais cerca de 4 a 5 metros de comprimento para alojar equipamento de comunicações e de gestão, de concepção e fabrico Nacionais e para poder ter uma guarnição parcialmente feminina. Como se vê foram feitos à medida das nossas necessidades e completamente adaptados às missões que vão desempenhar. NÃO SÃO BRINQUEDOS!
Mário Freire
Etiquetas: guerra, marinha, política, portugal