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La force des choses
31.1.10
 
A revolução de 1910
A tese do doutor Vasco Pulido Valente, editada há mais de trinta anos, sob o pseudónimo de “O Poder e o Povo”, incidiu precisamente sobre o objecto da comemoração em voga: a implantação da República. Daí, vou respingar por aqui umas postas…

Dizia outro autor, António Pedro Mesquita, que de um modo geral, todo o pensamento republicano é jacobino; a Republica é essencialmente a consagração do ideal jacobino de 1820 (desde logo, a tríade: Liberdade, Igualdade, Fraternidade), permitindo superar as contradições da monarquia representativa, reivindicando o primado, daí por diante absoluto, do princípio democrático, quer dizer, do primado da soberania nacional.
Pois, também Pulido Valente considera que o republicanismo esteve sempre presente nos movimentos anti-absolutistas do século XIX. E a Monarquia para se manter, desde a revolução de 1820 até à sua queda em 1910, apoiou-se sempre nos moderados contra a ala do jacobinismo urbano. Essa ala intransigente foi absorvida e domada pela Regeneração a partir de 1852, mas apesar disso manteve-se sempre uma tradição vintista e antimonárquica, semi-adormecida, que só acordará em 1903, com o Partido Republicano Português.
O republicanismo latente, que sobrevivia no “Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas”, estava associado ao socialismo utópico de Babeuf, Saint-Simon, Fourier e Proudhon. Mas a partir de 1871, a influência de Marx – I Internacional, formação da Associação Internacional de Trabalhadores – e o episódio empolgante da Comuna de Paris (demostrando a realização da utopia), acordaram do sono letárgico, o anarquismo e o socialismo revolucionário, surgindo as primeiras greves modernas. Estes acontecimentos, deram um novo vigor à componente socialista do Centro Promotor, o que afastou também muitos membros burgueses com ideias republicanas.

Cabe agora referir uma diferença essencial entre republicanismo positivista e socialismo marxista. Segundo o pensamento positivista enformador do Republicanismo, havendo saído há séculos do primitivo estado teocrático, a humanidade aproxima-se lenta, mas firmemente, da realização da “sociocracia” (isto é, da Republica). É portanto uma inevitabilidade histórica, inerente à “evolução” das civilizações, e daqui decorre o fraco investimento doutrinário dos pensadores republicanos.

Contrariamente, para o marxismo, a questão do progresso, nem se coloca numa evolução em três estádios, nem é o intelecto “iluminado” que determina a matéria. Inversamente, pensam os marxistas que é a matéria que age sobre o “espírito” – a infra-estrutura que determina a super-estrutura – e são as condições materiais (particularmente as económicas) que determinam a consciência e o pensamento; é delas que nasce a conflitualidade entre dominantes e dominados, que faz progredir a História. Isto é o contrário do Positivismo, em que se baseavam os burgueses republicanos.
A diferença radical entre o Republicanismo e o Socialismo de raiz marxista (dito socialismo real) é que enquanto os primeiros postulam ser o intelecto que, agindo, determina a matéria, os segundos afirmam exactamente o contrário.
Os socialistas marxistas queriam a revolução para mudar o curso dos acontecimentos; os republicanos apenas esperavam que esse curso se desenrolasse, como exprimiu Bernardino Machado “Não serão por isso os republicanos que hão-de precipitar a revolução. O que pode torná-la iminente é a coacção reaccionária. Desgraçadamente, assim como, por nossa vontade, a não faríamos, assim também não é só à nossa vontade que ela se fará.”


A cisão foi-se abrindo com o tempo e a criação do Partido Socialista Português em 1875 e do Partido Republicano Português (PRP) em 1876 consumou-a. Mas a fraqueza da indústria fabril em Portugal e, portanto, da massa de manobra essencial que é o operariado fabril, teve como consequência que o PS ficasse para sempre uma nulidade politica. Por outro, explica Pulido Valente, o PRP cristalizou nas formas pobres e brutais do jacobinismo clássico, não chegando nunca a adquirir uma orientação “socializante”.
(humildemente mal respingado, de Vasco Pulido Valente, O Poder e o Povo 1974)

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