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La force des choses
27.7.10
 
Para-teoria 4 - Estado Novo
Diz-nos Rui Ramos em “A Segunda Fundação”: a ditadura militar de 1926 não derrubou uma “democracia” no sentido actualmente corrente do termo. Destruiu o império daqueles que se consideravam os únicos “democratas” e que, na pratica, se traduzia no monopólio do Estado por um partido politico, o Partido Republicano Português, e num tipo de governo que os seus críticos não hesitavam em classificar como “um governo de ditadores”.
O PRP que representava a maioria da opinião republicana, conquistou o poder em Portugal em 1910 e, sob a alcunha de “partido democrático” não consentiu que mais ninguém lá chegasse, a não ser pela força (1917 Sidónio; 1926 Carmona). O PRP não estava no governo porque vencia as eleições, mas vencia as eleições porque se sabia que em caso nenhum admitia sair do governo. A decisão do PRP em permanecer no poder contra tudo e contra todos – ou, como pitorescamente proclamou Afonso Costa em 1914, em “defender o povo, mesmo contra a vontade do próprio povo” – ficou provada, vezes sem conta antes de 1926.
Por detrás do confronto entre o Reviralho e o Republicanismo, não está a vontade popular, está sim a profunda guerra cultural aberta em Portugal pela conquista do Estado pelo PRP em 1910. Um abismo entre o poder e o povo.
Quando a Republica entra em falência, e o exército (Carmona) entrega o poder a Salazar, com o apoio de republicanos moderados (e igualmente de monárquicos), na realidade é à Igreja que o está a entregar. O “Reviralho” representou no fundo, a vingança dos que sofreram o terror, e Salazar não substituiu uma democracia por uma ditadura, de facto apenas trocou uma ditadura por outra, à época – lembremos a ascensão de Mussolini e as ideias em voga – mais aceitável.
A emergência do Estado Novo não resultou da simples decadência e queda da Republica, mas da transformação a que as suas elites tentaram sujeitá-la, transformação que passou pelo aniquilamento do velho PRP como partido dominante, num processo que se desenvolveu tanto à direita como à esquerda. O que aconteceu depois, a instauração do “Estado nacional autoritário” de Salazar, resultou desse confronto.
Para além de tudo isto, os portugueses nunca gostaram da Política. A Monarquia deixara a Politica de rastos. Mas a Republica só veio agravar o desprestígio. Tinha o apoio de uma ínfima parte dos portugueses, não permitiu na prática mais do que um partido, viveu numa inconcebível instabilidade e durou, enquanto durou, pelo terror. Até as ténues tradições de tolerância do constitucionalismo foram destruídas pelos bandos de caceteiros que se auto intitulavam “povo”. Daí a ideia de que, para salvar a Pátria, era necessário suprimir a politica. Foi esse desastre que induziu Salazar. Além disso, o republicanismo nunca desdenhou usar os mitos para se “sacralizar” com rituais e devoções, que funcionavam como uma “religião” (as comemorações camonianas e pombalinas, por exemplo). A “religião laica” republicana só teve paralelo – não por acaso, creio – na sua grande rival, a Igreja Católica. Assim, como antes fizera a Monarquia, como antes fizera a Republica, Salazar apoiou-se no mito da Gloria Pátria, contra a evidência da penúria. A Política morreu, e o 25 de Abril irá ressuscitá-la… mas como lembrou Pulido Valente, não a reabilitou.

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