5.10.09
Queira desculpar senhor presidente, fica a suspeita…
Logo após a infeliz comunicação do Presidente da Republica ao país neste final de Setembro, gerou-se o consenso geral (que acompanhei) de que tinha sido dito… nada. Na realidade, a inabilidade da comunicação, terá sido imediatamente aproveitada pelos que nunca gostaram dele (nos quais me incluo) para lhe cair em cima. Mas apesar de tudo, já no momento da comunicação se percebeu muito bem que algo fora dito:
- Foi dito que o P.R. considerava o aparecimento de notícias sobre escutas à Presidência e da participação de membros da sua casa civil na elaboração do programa do PSD como manipulações politicas tentando dois objectivos:
a) Puxar o Presidente para a luta partidária, encostando-o ao PSD
b) Desviar as atenções dos cidadãos.
- Foi dito que a posterior exigência de desmentidos ao P.R, feita por destacadas personalidades do PS, é considerada por este como um ultimato dirigido por esse partido à Presidência.
- Foi dito, finalmente, que o P.R. considera que essas declarações ultrapassam o tolerável e decente, e por isso classificadas de muito graves.
Como a maior parte dos cidadãos, não percebi grande coisa, mas isto percebi logo: o P.R. atacou directamente o partido do governo (nunca diz o governo, note-se, e a distinção institucional é importante, porque o governo responde politicamente perante o P.R, o partido não) afirmando que não se deixa manipular, argumento que deu para o silêncio durante a campanha eleitoral (e não vale a pena insistir nas autárquicas, que são de outro domínio). E dou-lhe toda a razão; se era para fazer um tal ataque ao PS, é óbvio que fez muito bem em esperar.
Como a maior parte dos cidadãos, não percebi grande coisa, e reagi a quente. Obriguei-me agora a ler a dita mensagem com a atenção devida (publicada na íntegra na imprensa do dia seguinte). Declarando já a falta de empatia que tenho com a personalidade e o estilo do P.R., quero igualmente declarar o meu respeito pela instituição, e para ser justo tenho que recolocar as coisas no seu lugar.
De facto, na minha arenga anti-Silva, fiz três constatações (de resto, na companhia da voz geral) que afinal estavam erradas, a saber:
1. Que o P.R. não explicara o afastamento do assessor Fernando Lima
2. Que o P.R. não apresentara provas fundamentando a tese da espionagem à Presidência da Republica.
3. Que o P.R. não explicara a existência do famoso e-mail do Publico, trocado entre jornalistas.
Talvez seja tarde mas corrijo agora esses erros, porque na realidade explicou:
1. O P.R. disse explicitamente que "procedeu a alterações na Casa Civil para tirar a dúvida" de que alguém tenha sido autorizado a falar em seu nome (dúvida que se instalara com a publicação do e-mail); aí a razão do afastamento de Fernando Lima: mostrar que não falou pelo P.R.
2. Ao afastar a fonte das notícias sobre escutas, o P.R. afirma também que nunca fez referencia às mesmas, e com isso esvazia o assunto; O P.R. nunca falou em escutas e ninguém o pode fazer por ele.
3. Quanto ao famoso e-mail, que torna claro ter sido Fernando Lima a fonte das notícias, e que refere uma desconfiança particular sobre um assessor do Primeiro-ministro, na visita presidencial à Madeira, aqui o P.R. não nega o documento. Apesar de colocar dúvidas na veracidade do conteúdo (devia explicar quais e porquê), e liga a extemporaneidade do seu aparecimento (um e-mail com mais de um ano) à sua tese de manipulação politica.
É nesta ultima questão, que me parece haver fragilidade (as outras são claras) porque, se o P.R. reconhece Fernando Lima como o autor de injustificadas noticias sobre escutas, ainda por cima, abusivamente em seu nome, então… devia julgá-lo com a mesma gravidade com que julga o "ultimato do partido do governo". E não só não o faz, como o desculpa.
É esta contradição que o trama, pois não se livra da grave suspeita de ligação à plantação de notícias (não esqueçamos que tudo começa com as tais notícias sobre escutas, apontadas à Presidência), sabendo nós que Fernando Lima é um colaborador próximo, antigo, um indefectível do presidente que dificilmente tomaria uma atitude tão grave sem o seu conhecimento. É aqui, mas aqui só, penso eu, que reside o pecado de Cavaco Silva, e não na eventual desconfiança – se bem que entre órgãos constitucionais, o caso não seja tão inócuo como quererá fazer crer – nem em eventuais ajudas dos seus assessores ao PSD. Depois, para rematar a desgraça, Cavaco espalhou-se completamente na comunicação; um texto já si com alguma dispersão, foi lido de forma miseravelmente confusa, indesculpável para um político experiente.
Lamento muito, mas creio que foi eleito para unir e moderar, não para fazer de actor político, ainda por cima de segunda categoria.
Apesar disto, não alinho no tom geral de condenação a Cavaco, primeiro porque não considero o PS composto por meninos de coro, segundo porque julgo a imprensa envolvida com especiais culpas no cartório. Tanto o Público, como o DN (e aqui ficou por desvendar uma fonte, de que ninguém fala) deram notícias (diz quem é jornalista) sem as regras técnicas e deontológicas mínimas, como cruzamento de fontes ou audição do contraditório (o Público poderia ter inquirido a presidência, por exemplo) preferindo-se ser instrumento, num caso da Presidência, no outro do partido do governo. Tanto se queixam das interferências do poder e depois prestam serviços. Ao menos ficámos a saber que no Expresso existe decência…
E aproveito agora para expressar uma critica antiga, que faço a um certo entendimento do semi-presidencialismo português. Constitucionalmente o P.R. não é um simples guardião da Constituição, se bem que essa é para mim uma função essencial; também não é governo, nem tem funções autónomas que lhe permitam uma actuação em termos de um regime presidencialista. Só em determinadas circunstâncias, de crise politica, pode funcionar (e aí deve) como uma válvula de segurança, usando os poderes que tem – nomear o Governo e demiti-lo – para influenciar as escolhas politicas. Em particular numa ausência de uma maioria absoluta, o poder do P.R. é decisivo na formação de uma coligação governamental, de entre as parlamentarmente possíveis.
Tirando esses períodos críticos, o papel constitucional do P.R. é só de representação, de fiscalização do governo, de arbitragem institucional e de garantia do regular funcionamento das instituições.
Por isso, o P.R. não pode entrar no jogo político dos partidos, tem de permanecer acima deles, como uma reserva da Republica, para actuar nos tempos de formação ou queda dos governos.
Por isso, nunca concordei com ideias de "magistratura de influência" (Soares) ou de "cooperação estratégica" (Cavaco). Na minha opinião o P.R. deve (tem que) manter apenas uma cooperação institucional (é o que espero de Cavaco) e nunca se imiscuir no domínio da governação, aprovando ou desaprovando. Não é a rainha de Inglaterra, mas também não é o General De Gaulle. Os socialistas gostaram de andar com ele aos beijos na boca; pois têm agora o reverso da medalha… salvo melhor opinião, claro.
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