Gedanken uber Nietzsche – resposta ao Luís
Peço desculpa pela demora, com a idade o tempo torna-se um recurso escasso, não é só porque diminui em sentido lato, mas também porque aumenta o tempo de resposta cerebral, lol… Deus te preserve da velhice!
Bom, é verdade Luís, além de Bergson, tenho também um interesse especial por Nietzsche, é como um amor antigo… mas o gosto transformou-se em desgosto.
Quando novo, Nietzsche atraiu-me mais que qualquer outro (com uma excepção no velho Sócrates); Desde cedo eu senti aversão aos grandes sistemas complexos, completos e muito reluzentes de “verdade”, como as filosofias de Kant e de Hegel. Além das dificuldades de compreensão (nunca é demais repetir, sou bem limitado) parecia-me que a filosofia não podia aproximar-se do mundo à maneira da Ciência, numa forma conceptual.
Nietzsche deu-me isso, atraiu-me o seu anti-racionalismo poético, o quebrar do poder da filosofia abstracta – apesar dessa ruptura ter começado, de facto, com Schopenhauer. Atraiu-me também o amor à vida que nele, contrastante com a frieza conceptual dos grandes sistemas anteriores. A partir da Genealogia da Moral – e depois no Ecce Homo, onde se auto-revela – surge muito forte o repúdio do cristianismo. Senti, com desgosto, um implacável afastamento da minha própria noção de vida.
Graças a Deus, logo em seguida, encontro Bergson… tornou-se-me evidente que a filosofia da vida, podia seguir um rumo diferente. Apesar de me parecer clara, a influencia de Nietzche, para mim Die schenkende Tugend está muito mais representada na filosofia de Bergson do que na do anterior: A Humanidade não é um simples meio para o Super-homem, é o objecto do Amor de Deus.
Gostava de ser curto, mas com Nietzsche é difícil… Confirmo que, sim, temos interpretações diferentes. Mas aplico-me a referência mesma do mestre (na Genealogia da Moral) a Lutero (na Dieta de Worms): “Eis-me aqui, não posso fazer de outra maneira; ao menos tenho a coragem do meu julgamento”
Devo também dizer, que sei perfeitamente que a sua obra - editada desordenadamente, muitas vezes, mal traduzida e incompleta, a isso se prestava - foi manipulada e falseada, em particular pela irmã, de forma a caucionar a ideologia Nazi. Nietzsche com toda a probabilidade nunca aceitaria apoiar essa gente, e por muito menos afastou-se de Wagner.
Finalmente, quando dizes “é imperioso conhecer bem o léxico de um filósofo antes de nos apressarmos em juízos”, faz-me a justiça de não me julgar tão simples; com a desvantagem de não saber alemão, claro que tive que buscar ajuda (por sinal muito favorável ao filósofo), para reler a obra. Como já disse o Eduardo Lourenço, a filosofia de Nietzsche é de uma equivocidade irremediável; cada conceito encerra em si uma multiplicidade de significados que, na prática, chegam a subverter o princípio da identidade.
A minha condenação de Nietzsche não é política, é moral; o que digo - acompanhando o próprio - é que há uma incompatibilidade irremediável entre o cristianismo e Nietzsche; a moral cristã é altero-centrica e a proposta por Nietzsche é ego-centrica; daqui e também da separação das tipologias morais em fortes e fracos, derivou o gérmen dos horrores totalitários, e não só (mantenho que o existencialismo ateu também bebe desse veneno, mas é outra história).
Quando dizes que “Nietzsche reconhece a nossa condição de escravos mas tem os olhos postos na nossa condição de mestres” e que “na sua visão, é possível que todos se tornem mestres e ninguém escravo”, acho que és mais do que benevolente, estás a contrariar o mestre; é aqui que reitero o erro dele e é este o pomo discórdia.
Não estarei, talvez, a ver as coisas correctamente, como dizes.
Mas estou bem acompanhado… as palavras que disse, são quase textualmente as de Bergson (foi quem me chamou a atenção)… vai mesmo em francês “(…) ce dimorphisme ne separe pas les hommes en deux catégories irreductibles, les uns naissant chefs et les autres sujets. L’erreur de Nietzsche fut croire à une separation de ce genre: d’un coté les «esclaves», de l’autre les «maitres». La vérite est que le dimorphisme fait le plus souvent de chacun de nous, en meme temps un chef qui a l’instint de commander et un sujet qui est prêt à obeir, encore que la seconde tendance l’emporte au point d’être la seule apparente chez la plupart des hommes.” Les deux sources, Bergson, PUF 1976, p. 296
Por isso não podemos confundir isto com a oposição hegeliana (anterior) entre mestre e escravo, essa sim dialéctica e admitindo funcionar com reciprocidade nas relações entre os dois conjuntos (biunivocamente). Nos seguidores hegelianos da asa esquerda, o conceito de “dominante” refere-se apenas ao grupo que controla o poder, mas esse pode mudar.
Não é assim para Nietzsche, aí os que seriam “naturalmente” dominantes não o são hoje; de facto estão escravizados pelo número massivo dos verdadeiros escravos. A oposição nietzscheana baseia-se numa clivagem, numa ruptura na humanidade, que Nietzsche nem deseja reduzir, mas pelo contrário acentuar (e libertar os “naturalmente” nobres): “Os doentes são o maior perigo da humanidade; (…) Os desgraçados, os vencidos, os impotentes, os fracos são os que minam a vida e envenenam e destroem a nossa confiança. Como escapar a este olhar triste e concentrado dos homens incompletos? Este olhar é um suspiro que diz: “Ah! Se eu pudesse ser outro! Mas não há esperança: sou o que sou; como poderia libertar-me de mim próprio? Estou cansado de mim próprio!...” (Genealogia a Moral)
A ascensão na filosofia de Nietzsche é em direcção ao super-homem, que representa a ultrapassagem do homem. Ergue-o no tempo futuro, forte, independente, nobre, com uma única regra moral para si mesmo, na armadura da dureza, livre da brandura degenerada da moral cristã. Mas… e porque devemos nós esforçar-mo-nos para a vinda de tal ser, porquê sacrificar milhões de homens a um egoísta numa escala colossal… por muito nobre que possa ser?
A essência do conceito de moral não implica uma relação, a biunívocidade? Pode-se chamar moral à entrega a si mesmo? Haverá mesmo uma moral solipsista? Para quê, se o super-homem irá viver solitário esplendor futuro?
(…) Para além do bem e do mal ele quis instaurar um bem superior. Isso não impede – ou ele não viu ou erradamente julgou poder pô-lo de parte – que no nível da experiência, o para além se transforma num para aquém e (…) a transcendência se resolve
Era um idealista por temperamento e até era religioso, embora… ateu.
No entanto, na minha perspectiva, falseou a posição e a meta do homem.
A sua filosofia, apesar de todos os protestos em contrário, parece-me radicalmente pessimista.
Apenas aceitando o sofrimento da vida, mas reconhecendo o apelo divino, pode a Humanidade saltar para fora do Niilismo – que Nietzsche tanto abominava – e retomar o verdadeiro caminho da ascensão da vida. Para Deus.
Porque o homem procedendo do Criador, estará destinado a voltar para ele, não a negá-lo para se tornar Deus; Aí tens em Nietzsche, o pecado original.
O Super-homem para se erguer, fá-lo necessáriamente sobre o abater e amesquinhar do humano. Ao contrário de Jesus.
Etiquetas: filosofia, nietzsche, proslogium
Depois destas palavras assim deixadas para meu deleite não sei dizer mais nada!
Só:
Obrigada!
Ando com uma vontade destas "conversas de café" como já (quase) as não há..........
(ai, como tinha saudades de me perder - no tempo - por aqui!)
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