31.5.05
As idades do espaço ( 4 )
Aceleração direccional e dilatação do espaço em Bizâncio
O tema basilical paleo – cristão exalta-se no período Bizantino.
O problema do arquitecto bizantino não é de carácter estrutural, ele limita-se a introduzir no esquema longitudinal paleo cristão a urgência de uma aceleração.
Em Santa Sabina, os arcos da nave assentam solidamente sobre colunas, estabelecendo uma continuidade entre elementos que sustentam e elementos sustentados: alguém exprimiu este movimento com a imagem de "jorros de água que partindo da terra a ela retornam e de novo se elevam num lento arquear".
É este o tempo do ritmo paleo - cristão.
Em Sant’ Apollinare este tempo torna-se mais rápido, precipita-se, negando as relações verticais e exaltando as referências horizontais.
As almofadas criam um corte entre arcos e colunas criando uma pontuação ao longo da nave, repetida nas bases das colunas que têm a mesma função; as faixas de mosaico acentuam a horizontalidade e todo o revestimento cromático resolve cada passagem estrutural, substituindo os planos luminosos e extensos dos primeiros cristãos por um tecido de cores e refracções luminosas cintilantes.
O caminho de colunas de Sant’Apollinare de Ravena, 530 d.C.
Nos edifícios de esquema circular, em particular na trilogia Justiniana formada pelas igreja de Santa Sofia de Constantinopla, pela dos santos Sérgio e Baco, e por San Vitale de Ravenna, a postura espacial e estética são essencialmente as mesmas.
Tal como na Basílica longitudinal se negam as relações verticais e se exasperam as horizontais até um ritmo alucinante, nos edifícios de planta circular o espaço é dilatado até ás fluências mais velozes.
O que quer dizer “espaço dilatado”?
Observemos na planta de Santa Sofia esse elemento característico de Bizâncio constituído por grandes corpos semicirculares abobadados; partido de dois pontos fixos, quais focos da planta central, a superfície mural foge do centro do edifício, lança-se elasticamente para o exterior num movimento centrífugo que abre, rarefaz e dilata o espaço interior.
Corte e planta e interior da Hagia Sofia de Constantinopla, 532-537 d.C.
Tal como em San Vitale, toda a intenção consiste em dilatar o octógono, negar a sua forma geometricamente fechada e ampliá-la indefinidamente.
Revestidas todas as paredes com mosaico nega-se cada contraponto de pesos e de sustentação, o luzidio e cintilante invólucro mural torna-se num manto de matéria subtil, macia e superficial, sensibilizado pelas propulsões e pressões de um espaço interior que conquista enumeros alargamentos.
Devemos reconhecer que a dilatação dos espaços romanos encontra sempre o seu limite na robustez das suas estruturas murais; é espaço dilatado mas de natureza estática.
Ao contrário, o espaço bizantino dilata-se continuamente, existe nele um elemento dinâmico conquistado através da cultura paleo cristã, o uso dos planos brilhantes, das vastas superfícies luminosas que gradualmente se transformam em tapetes cromáticos.
Tal como os revestimentos de mármore dos romanos eram o lógico desenvolvimento decorativo da concepção estática do espaço, assim esses tapetes de mosaico bizantinos expressam a aceleração dinâmica nas investigações bizantinas.
Quem confrontar o espaço paleo cristão de Santa Constanza, com o espaço bizantino de San Vitale verificará que existe entre ambos não só diversidade como mesmo oposição.
Em Santa Constanza notamos as directrizes de perspectiva das pequenas arquitraves radiais que indicam ao observador que se move na galeria exterior o centro do edifício; existe um motivo centrípeto nitidamente contrário às forças centrífugas do espaço bizantino.
Santa Constanza, paleo-cristã, na esquerda e San Vitale, bizantina, na direita
Ao caminhar em Santa Constanza, as arquitraves radiais assinalam a passagem por sugestões lineares, entre uma zona central luminosa e uma atmosférica massa circundante.
Bizâncio ignora esta dialéctica utilizando uma superfície mural que se curva e afasta do centro através de formas côncavas, cada vez mais impelidas para fora, para o vão circular que vem a perder toda a independência arquitectónica.
É uma mensagem nova cuja voz será ouvida nos séculos seguinte (XI e XII) quando surgem S.Marcos de Veneza e La Martorana de Palermo, e o seu eco será sentido em toda a arquitectura oriental, sobretudo na arquitectura russa que em pleno século XV procurará mesmo resistir ao Humanismo italiano.
Etiquetas: arquitectura, idades do espaço, olhar
Comments:
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bom dia construtor do prazer de olhar. os seus posts são a alquimia bizantina que me inibem de comentar. só ler. só reler. só ficar a deslizar. obrigada.
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