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La force des choses
30.6.12
 
Montes Claros
Graças ao amigo Ângelo Pinto da Fonseca, vou recebendo de vez em quando, notícias do passado. Esta veio do jornal Motor nº 393, de 10 de Junho de 1971. Um ano depois do acidente do meu pai, sobre o qual já escrevi o seguinte "O último acidente em Montes Claros 1970, sempre me pareceu resultante de uma falha de concentração; aos 44 anos de idade estava cansado, com a vida dispersa por outras preocupações, que já não se compadeciam com o correr por "hobby", em carros tão exigentes como os formula Ford."... Hoje, o meu pai revisitou-me, para confirmar o que eu pensava, num artigo que eu nunca tinha lido.


 
Talvez a grande maioria dos leitores de “Motor” já tenha esquecido o meu ultimo acidente de Montes Claros. Por mim, como facilmente se perceberá não poderei esquecer, mas tenho fortes duvidas quanto ao interesse que outros podem ter, uma vez que a “ocorrência” faz parte do passado. É talvez esta a principal razão que me tem levado a não dizer muito embora reconheça elementos de valor que talvez não se perdesse nada que fossem do conhecimento, sobretudo, de quem corre e gosta do desporto automóvel.
Tem-se posto o problema de, a quem cabem as responsabilidades, se a mim, ao carro ou à pista!
É do conhecimento geral que jamais procurei esquivar-me, muito antes pelo contrario, a qualquer responsabilidade, que me tivesse cabido em qualquer da tristemente já longa série de acidentes que me têm acontecido. Sempre procurei – e acho saudável – colocar as culpas nos devidos lugares, mesmo correndo o risco de ser totalmente o culpado. Desta vez o acidente foi o mais grave de todos e a longa recuperação permitiu, mesmo com poucos dados, uma analise que tenho aprofundado na medida do que me é possível.
Sei que o acidente ocorreu no circuito de Montes Claros na curva que assinala tristemente o acidente de Floriano Gonzalez, ocasião em que um português bem dedicado ao automobilismo, perdeu um dos membros e mais recentemente um amigo e companheiro de pouco tempo, mas que não esquece, perdeu a vida: Tim Cash.
Não tenho bem a certeza se foi à terceira ou quarta volta dos treinos de fórmula Ford – estamos próximo de um ano depois – que, numa das curvas que melhor julgava conhecer, o acidente inesperadamente aconteceu.
Para melhor compreensão de quem se interessa, talvez seja o momento de esclarecer das minhas condições físicas e até psíquicas. Correr é uma coisa grave, que só se pode fazer por gosto mas consciente dos perigos que envolve. Creio que os conhecia! Mas havia coisas que nunca tinha dado conta. Correr envolve “querer ganhar” mesmo que se diga que é só para “fazer o gosto ao dedo”, subconscientemente continuamos a querer ganhar e a fazer o melhor que sabemos, portanto sobre a linha que separa a segurança da insegurança. Isto acontecia-me e eu não sabia, podia jurar que apenas me queria divertir.
Pelo menos psiquicamente, estava cansado devido a imensos afazeres e preocupações de outra vida que não é desportiva. Mas queria correr. Isto hoje parece-me um erro tremendo, só pode correr com certa garantia de segurança quem estiver livre de todas as preocupações para se preocupar apenas e só com a corrida em si. Isto já chega e creio que é total!
Tinha resolvido esquecer as minhas preocupações dois ou três dias antes para poder dedicar-me completamente à corrida. É fácil dizer mas difícil acontecer. No dia dos treinos estava francamente optimista e verdadeiramente confiante em que me iria divertir. O Imp estava sólido e seguro embora não tivesse os 110 HP que eu desejava, em virtude da árvore de cames ter partido o “berço” de tuches especiais mas dispunha de uma outra capaz de 95/97 HP segura.
No final dos treinos do Imp, tive o primeiro aborrecimento, muito embora tivese feito um tempo razoável para o carro. O termo dos treinos apareceu prematuramente, antes que tivesse tido possibilidade de “puxar a fundo”. No entanto o “tempo” obtido colocava-me a cerca de 1 segundo do melhor Cooper, o que francamente me divertia.
Por outro lado, a nossa camarada Maria do Céu tinha problemas com o meu antigo formula V na medida em que se queixava da falta de estabilidade e insegurança. Experimentei-o, e de facto era verdade, a frente saltitava demasiado e parecia não ser um problema de pressão nos pneus, mas sim amortecedores, o que complicava as coisas, uma vez que não era possível ensaiar. Os treinos estavam no final e aconselhei-a a correr mesmo assim, com a devida atenção e cuidado aumentados.
O fórmula Ford apareceu-me como um brinquedo, ao volante do qual ainda não tinha conduzido nem um metro. Tinha dado duas voltas no carro do Filipe, em Alvalade! Quando me sentei e conduzi, as primeiras centenas de metros fiquei maravilhado, o carro estava muito próximo do meu ideal. Desde a direcção, caixa, posição de conduzir, tudo me parecia com a minha medida. O motor tinha suportado especiais cuidados e tinha sido rodado num carro normal, estando portanto pronto. Havia um ponto de dúvida: os raports de caixa! Não eram adequados. Eu já sabia, mas não havia outros, tratava-se portanto de saber como aqueles deveriam ser utilizados!
Foi assim, e depois de duas voltas – outras? – para aquecer o motor, um pouco abruptamente e procurando defender-me do que me tinha acontecido no Imp, isto é, não deixar acabar o treino sem saber o que era capaz de fazer, que já depois de ter entrado na curva do Gonzalez e estando à vista da saída, enquanto seguia pelo meio da pista, tendo outro condutor à minha esquerda – creio ser Santos Mendonça – e ainda outro à minha direita, esse já ultrapassado, que não me recordo quem fosse, resolvi acelerar a fundo para verificar até onde podia “ir” a “terceira”!
Existe um lapso de tempo entre eu meter o pé no fundo, dar frente ao carro para facilitar a saída e o ter olhado o quadro de rotações – 5.000 me terceira, ou seja, 120 por hora – e o sentir-me na areia que havia na saída da curva, junto das arvores.
Fatalmente é muito pouco tempo, mas apercebo-me dum abandono instantâneo, após o qual, e com pavor, verifico que, com aquela velocidade e aquele ângulo de direcção, ou derrapo e “bato” nas arvores, ou não derrapo mas “bato” na mesma, portanto sem solução. Recordo ter optado por desviar a frente suavemente e aceitar o bater na arvore de frente!
Hoje, sei que consegui desviar mas não o suficiente para que a roda posterior não tocasse os sacos ou a própria base da árvore, situação suficiente para projectar o carro pelo ar num desvio de traseira para a própria pista, mas batendo com a parte frontal e direita na próxima arvore que embora não sendo tão grande como a primeira, foi suficiente para que eu ainda sinta dores.
Portanto, culpado, sem duvida, mas, até que ponto?... Deixar por um lapso de tempo ainda que pequeno de ter a totalidade da atenção na pista. Teria sido a preocupação do conta-rotações?... Do problema da caixa?... É verdade que havia areia anormal naquele local devido ao despiste anterior, com derrame de óleo, de outro carro, no entanto eu sabia à priori que não devia pisar a areia! Também sabia que havia arvores e portanto do risco de lhes tocar. Não me trevo portanto a dizer que cabe à areia a responsabilidade do acidente ou mesmo à falta de “rails”, muito embora se não houvesse areia, acredito não ter batido, ou se houvesse “rails” talvez não tivesse havido hospital.
Como conclusão talvez valha a pena atender às corridas com o grau de atenção que elas merecem, e creio que são implacáveis, todos poderão ter absoluta certeza, é muito desagradável uma recuperação de pernas partidas…
BAPTISTA DOS SANTOS

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