14.5.07
Contra o Céu
Não compreendo os astrónomos.
Como é que nenhum deles fica doido nem se suicida?
Imagino que são homens sem fantasia e dignidade, incapazes de sentir o insulto permanente das constelações refugiadas no fundo dos desertos do espaço.
Mas um homem autêntico não pode experimentar, ante a voragem esparsa dos fogos errantes, senão ira ou terror.
O Céu tem influência sobre mim e nunca poderei ter sobre ele.
Se o contemplo amesquinha-me; se o ignoro, castiga-me.
Tem uma vida sua, misteriosa e solene, que não consigo, de forma alguma, turbar ou mudar.
Inspira-me, contra minha vontade, pensamentos mortificantes que me maltratam, me deprimem e me tiram a coragem de viver.
Por isso, prefiro não o ver.
Agradam-me as regiões e as estações em que o Céu está sempre encoberto, onde a noite é muda e total e a gente se sente sob uma colcha próxima de névoa familiar.
Os poetas, idiotas como crianças, extasiam-se diante dos vaga lumes errantes do Infinito.
Para mim, que não sou versificador nem místico, o Céu é apenas o velório sinistro onde leio todas as noites a sentença da minha fortuna de desgraça.
Sinto, como uma enchente de maré, o desejo de alcançar o apeadeiro, o apeadeiro que finalmente, me irá resgatar a esta irremediável nulidade.
aldrabado apartir de Giovanni Papini, Gog, 1945