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La force des choses
31.3.07
 
Gog
Envergonha-me dizer onde conheci Gog: foi num manicómio.

Era um monstro vestido de verde-claro, que devia ter meio século.
Alto mas sem linha; não tinha um único pelo na cabeça; sem cabelos, sem sobrancelhas, sem bigode, sem barba.
Um bolbo informe de pele nua com excrescências coralinas.
O rosto era de um escarlate escuro, quase violáceo.
O seu verdadeiro nome ao que parece era Goggins, mas desde rapaz, chamavam-lhe sempre Gog e esse diminutivo agradava-lhe, porque o circundava uma espécie de auréola bíblica e fabulosa: Gog rei de Magog *

Ao terminar a primeira grande guerra era um dos homens mais ricos dos Estados Unidos, o que quer dizer, do planeta.
Até agora – dizia – tenho sido um galeriano do dinheiro; mas de hoje em diante, ele será o meu servidor.

É preciso ter em conta a mescla perigosa que havia nele: um semi selvagem inquieto – nascera numa das ilhas do Hawaii de uma mulher indígena e pai desconhecido – que enriquecera de tal modo que tinha sob o seu domínio as riquezas de um imperador.
Um descendente de canibais que se apoderara, continuando bruto, do mais espantoso instrumento de criação e de destruição do mundo moderno.
Animalesco de origem e vocação quis proporcionar-se todas as formas de epicurismo cerebral do nosso tempo.
O seu cérebro era capaz, em certos momentos, de compreender os mais exasperantes modernismos, mas a sua alma tornava-se mais árida e mais cruel do que a dos seus antepassados maternos.

Mas, nesse cínico, sádico, maníaco, hiperbólico semi-selvagem, lobriguei uma espécie de símbolo da – para mim – falsa e bestial civilização cosmopolita e apresento-o com a mesma intenção com que os espartanos mostravam aos filhos um ilota completamente bêbado.
Muitíssimos no nosso tempo se assemelham, com efeito, a Gog.
Mas Gog é, em meu entender, um exemplo particularmente instrutivo e revelador, por duas razões:
- Primeiro porque a sua riqueza lhe permitiu realizar impunemente muitas extravagâncias idiotas ou criminosas, que os seus semelhantes devem contentar-se em imaginar em sonhos;
- Segundo, porque a sua sinceridade de primitivo leva-o a confessar sem rubor os seus caprichos mais repulsivos, isto é, aquilo que os demais ocultam e não se atrevem a dizer nem a si próprios.

* Satã será liberto da sua prisão e sairá para seduzir as nações, Gog e Magog… (Apocalipse, XX, 7)

aldrabado apartir de Giovanni Papini, Gog 1932

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