18.8.06
História: arte ou ciência?
De facto, a História deixou de ser, como tal, uma disciplina literária.
Não interpreta texto algum.
O passado não é a colecção de factos humanos que a memória retém ou imagina, mas o conjunto daqueles que se podem deduzir dos vestígios concretos, materialmente impressos pelo homem na superfície da terra.
A transmissão dos dados considerados significativos por meio de um discurso histórico não é arbitrária nem nos materiais que usa, nem na forma como os apresenta, nem na justificação da sua associação.
A condição mesma do discurso é a sua credibilidade em função dos problemas da sociedade, isto é, dos problemas actuais do homem.
Estes podem relativizar radicalmente a perenidade das suas informações ou propostas de solução.
Mas dificilmente se pode imaginar uma validade baseada em critérios puramente lúdicos ou decorrentes de qualidades exclusivamente formais do discurso.
Ora, sem se estabelecer como condição prévia a objectividade crítica dos dados e da sua associação em termos científicos, a História, tornada apenas narrativa, em nada difere da ficção.
Com o defeito de, neste caso, infringir as regras do jogo, isto é, de negar o seu carácter de ficção.
José Mattoso, in A Escrita da História, Ed. Estampa 1988 (transcrito daqui)