30.3.06
A Virtude
Não se pode pensar em virtude sem se pensar num estado e num impulso contrários aos de virtude e num persistente esforço de vontade.
Para me desenhar um homem virtuoso tenho que dar relevo principal ao que nele é voluntário;
Tenho de, talvez em esquema exagerado,
lhe pôr acima de tudo o que nele é o modelar,
e o conter.
...
É um contínuo querer e uma contínua vigilância,
uma batalha perpétua dada aos elementos que, entendendo, classifiquei como maus;
...
Por isso não me prende o menino virtuoso;
A bondade só é nele o estado natural;
Antes o quero bravio e combativo e com a sua ponta de maldade;
Assim me dá a certeza de que o terei mais tarde,
quando a vontade se afirmar e a reflexão distinguir os caminhos,
com material a destruir na luta heróica e a energia suficiente para nela se empenhar.
O que não chora,
nem parte,
nem esbraveja,
nem resiste aos conselhos,
há-de formar depois nas massas submissas;
Muitas vezes me há-de parecer que a sua virtude consiste numa falta de habilidade para urdir o mal, numa falta de coragem para o praticar;
E, na verdade, não posso ter grande respeito pelas amibas que se sobrevivem.
Agostinho da Silva, Considerações e outros textos, Assírio&Alvim 1988